“…terceiro turno disputado não mais pelos políticos, mas sim pelos simpatizantes…”
Passadas as eleições que elegeu presidente, vice-presidente, governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais, a batalha política acirrada e desleal, eivada de mentiras e engodos, recheada de ameaças e desrespeito às leis e às pessoas, permanece como uma espécie de absurdo terceiro turno disputado não mais pelos políticos, mas sim pelos simpatizantes, especialmente do presidente derrotado.
Enquanto os eleitos iniciam o processo de transição para assumir os cargos e os perdedores planejam o futuro e buscam blindagem fora da proteção comum aos políticos, os eleitores apaixonados se digladiam insanamente na defesa de quem não merece, pois diante do ruído se mantém ambíguo e escorregadio.
Sem perceber o mal que causam à própria democracia e também à sociedade e à economia, um grupo de brasileiros decidiu se manifestar contra o sistema depois do jogo jogado. Se todas as dúvidas estivessem na mesa com antecedência e as provas fossem verídicas, as paralisações deveriam acontecer antes do lançamento das candidaturas, pois não se pode acusar de golpe um processo no qual houve participação voluntária.
O mesmo raciocínio se aplica às reclamações e acusações de “golpe” contra a ex-presidente Dilma Roussef que, por ocasião do processo de impeachment, participou ativamente cumprindo as regras e se defendendo como manda a lei.
Em ambos os casos, de Dilma e Bolsonaro, os protestos só vieram depois de findado os processos, sem as manifestações contundentes que são comuns e legítimas aos inocentes e injustiçados.
A redemocratização havida no início dos anos de 1980, quando Tancredo Neves se lançou candidato civil e venceu o militarismo com as regras do jogo criadas para a manutenção do regime, mas não assumiu o cargo devido a doença e morte, serviu para definir novas bases do sistema político-eleitoral brasileiro.
Os militares retornaram aos quarteis com enorme desgaste ao devolver o país com hiperinflação e a maior dívida externa do mundo, enquanto os civis, inclusive os reabilitados das punições sofridas no regime de exceção, se organizaram em novos partidos para governar com alternância nos cargos, como prevê a democracia.
Entretanto, o saudosismo do regime militar, que se apresentava publicamente como impoluto e disciplinador, ficou na saudade de parte dos brasileiros mais velhos que confundem as boas lembranças do vigor e da alegria da juventude como benesses de governos autoritários, assim como muitos jovens foram cooptados pela falsa pregação dos valores de justiça, religiosidade e bons princípios como norma de conduta do novo governo.
Assim se manteve e se nutriu a chamada ideologia da direita, que no Brasil está muito mais afeita ao autoritarismo e à censura do que à filosofia política liberal e de redução do Estado, mas que passou a abominar o ruído natural das divergências saudáveis comuns à democracia participativa.
Neste longo embate de seguidores iludidos e seguidamente decepcionados surgiu uma liderança rústica e popular forjada no sindicalismo reprimido e em seguidas eleições disputadas, o carismático e excelente comunicador de massas Lula da Silva, que se tornou o legítimo representante das esquerdas e da maioria dos mais pobres.
Seus adversários, de maioria centro esquerda, se perderam pelo caminho ao perder legitimidade e abrir espaço para o caricato deputado Bolsonaro, que, do “baixo clero” legislativo passou à condição de “mito” ao assumir o discurso populista da direita como salvador do Pátria contra o comunismo fantasma, quando foi transformado em único contraponto a tudo o que havia de pior nas opções apresentadas.
Contudo, o eleitor e agora manifestante aguerrido do terceiro turno eleitoral não percebe que Bolsonaro só existe graças aos erros e desvios de Lula e que Lula só voltou graças aos erros e desvios de Bolsonaro.