23 de agosto de 2025

A combinação de eletricidade, água e pessoas descalças pode parecer perigosa, mas essa é uma cena que se repete diariamente na maioria das casas brasileiras sempre que um chuveiro elétrico é ligado.

Aparelhos que lembram os chuveiros atuais já existiam no Egito e na Grécia Antiga, mas o equipamento elétrico, como conhecemos hoje, foi inventado apenas por volta dos anos 1930, pelo brasileiro Francisco Canhos, morador de Jaú, no Centro-Oeste Paulista. Na época, ele tinha pouco menos de 20 anos.

A ideia de combinar água e eletricidade para produzir banhos quentes surgiu na oficina da casa de Francisco Canhos, que já era conhecido por suas invenções, apesar de não ter formação acadêmica, segundo a família.

Heraldo Leonell, genro de Francisco Canhos, com quem trabalhou por muitos anos, lembra que o sogro contava ter criado o aparelho inicialmente para cuidar do pai, que sofria de uma doença reumática e precisava de banhos quentes com frequência.

“A necessidade foi porque todo dia ele tinha que esquentar água. O pai dele tinha reumatismo, então não podia tomar banho gelado. Ele esquentava a água no fogão a lenha, punha naquele que era um chuveiro embaixo de um balde”, conta.

“Já tinham inventado primeiro o ferro elétrico. Não era automático, mas existia. Foi daí que ele foi bolando as coisas. Ele desmontou o ferro para ver como esquentava e descobriu que tinha a resistência dentro. Aí, ele punha a resistência dentro do cano e ligava. Às vezes, a resistência queimava, porque, se você deixar, ela não refrigera e queima. Foi tudo testando”, completa o genro.

Um dos primeiros modelos de chuveiro elétrico comercializado pela F. Canhos de Jaú (SP) — Foto: Reprodução

Sistema automático

A invenção do jauense logo ganhou fama na cidade e passou a se popularizar, mesmo sendo vendida informalmente, de porta em porta.

O primeiro modelo desenvolvido por Canhos não era automático: ele contava com um seletor que precisava ser acionado após a água começar a passar pelo cano.

“O grande marco mesmo do chuveiro, que isso aí ele patenteou, foi o automático. Ele foi o pioneiro em automatizar o chuveiro. Você abria a torneira, a água entrava no diafragma, subia e fazia o contato. Isso aí que foi o grande marco mesmo, que já era tecnologia”, conta Heraldo.

Chuveiro e resistência do chuveiro Robot da F. Canhos de Jaú (SP) — Foto: Heraldo Leonelli/Arquivo pessoal

A fábrica, localizada em Jaú, no bairro Jardim Santo Antônio, onde hoje uma avenida leva o nome do inventor, passou então a produzir os equipamentos automáticos em larga escala para todo o Brasil, sob o nome F. Canhos.

Com o tempo, a indústria elétrica começou a fabricar outros equipamentos de uso doméstico, como churrasqueira elétrica, torrador de café e ventiladores.

Avenida Francisco Canhos, em Jaú (SP) — Foto: Reprodução/Tem Coisas que Só Acontecem em Jaú

Perda da patente

A família conta que, atualmente, a patente do chuveiro elétrico automático já não pertence a eles. Por um descuido, a patente venceu e, anos depois, foi comprada pela empresa italiana Lorenzetti, que, assim como outras fabricantes, passou a produzir chuveiros automáticos inspirados no modelo desenvolvido por Canhos.

“Parece que ele tinha um funcionário que saiu da empresa, já sabia como era o funcionamento, foi embora para São Paulo e foi trabalhar na Fame, que começou a fazer o chuveiro também. A patente venceu, não renovou, perdeu”, lembra o genro.

A fábrica seguiu em atividade até 2019, com uma sede também em São José do Rio Preto (SP), que foi arrendada por uma das filhas de Francisco Canhos. Ele morreu em Jaú, no dia 27 de maio de 1988.

Modelos de chuveiros da elétrica F. Canhos de Jaú (SP) — Foto: Heraldo Leonelli/arquivo pessoal

Por que o chuveiro elétrico é popular no Brasil?

O professor José Alfredo Covolan Ulson, do Departamento de Engenharia Elétrica da Faculdade de Engenharia de Bauru (Unesp), explica que a popularidade do chuveiro elétrico no Brasil se deve a uma combinação de fatores culturais, climáticos e econômicos.

Chuveiro elétrico — Foto: Divulgação

Primeiramente, há a questão cultural de que o brasileiro tem o hábito de tomar muitos banhos, graças ao clima tropical.

Diferentemente da Europa e dos Estados Unidos, que utilizam sistemas centrais de aquecimento de água, o Brasil adotou um sistema descentralizado, com chuveiros elétricos instalados diretamente nos pontos de uso.

“Com isso, você tem um equipamento mais barato, mais acessível à população. E que também tem um aproveitamento mais consciente da energia no que tange a aquecimento de água. Vai aquecer só aquilo que você precisa para tomar banho. Não precisa aquecer uma grande quantidade que muitas vezes você acaba não usando”, explica o professor.

Como funciona o chuveiro elétrico? Por que não tomamos choque?

O funcionamento do chuveiro elétrico é baseado no Efeito Joule. Nele, uma corrente elétrica percorre um condutor metálico, a resistência, que aquece e transfere calor à água que passa por ali. Veja na figura abaixo.

Entenda como funciona o chuveiro elétrico — Foto: Beatriz Santos/TV TEM

Ao contrário de outros aparelhos que usam o mesmo princípio, como ferro de passar ou torradeira, no chuveiro essa resistência fica imersa na água.

“A água entra em contato direto com as partes energizadas desse elemento resistivo, e não tomamos choque porque o volume de água em contato com as partes energizadas está no mesmo potencial elétrico da pessoa que está tomando banho. Por uma questão de segurança, é obrigatório que o chuveiro esteja sempre aterrado, com o fio de aterramento“, explica o professor.

O aterramento garante que qualquer carga elétrica presente na água ou no equipamento escape de forma segura, evitando choques. A ativação da parte elétrica ocorre por meio de um diafragma como o criado por Canhos, que fecha o circuito ao detectar o fluxo de água.

Apesar de sua popularidade e segurança comprovada no Brasil quando instalado corretamente, o design do chuveiro elétrico nacional, que coloca a água em contato direto com a resistência, é até proibido em alguns pontos do mundo.

“Na Europa, o chuveiro que usamos no Brasil não pode ser vendido, porque ele é de resistência exposta. O elemento resistivo fica em contato direto com a água, o que chamamos de resistência não blindada. Na Europa, a lei exige que a resistência seja blindada, ou seja, que a água não entre em contato direto com o elemento resistivo energizado”, finaliza o professor José Alfredo.

Confira dicas de segurança

O g1 reuniu algumas orientações do professor José Alfredo Covolan Ulson para garantir a instalação e o uso seguro do chuveiro elétrico:

• Instalação por profissional: a instalação e, principalmente, a manutenção devem ser feitas por um profissional qualificado. A automanutenção é a principal causa de acidentes, inclusive fatais;
• Aterramento obrigatório: é essencial que a instalação elétrica da residência possua sistema de aterramento. O fio terra do chuveiro (geralmente verde) deve estar conectado corretamente;
• Condições hidráulicas: o chuveiro deve ser instalado em locais com pressão de água mínima recomendada, geralmente dois metros de coluna d’água, para garantir o funcionamento adequado;
• Encher antes de ligar: após instalar um chuveiro novo ou trocar a resistência, deixe a água fria passar por ele antes de ligar a parte elétrica. Ligar o chuveiro “a seco” pode causar a queima da resistência;
• Cuidado com tempestades: evite tomar banho durante tempestades com raios, pois uma descarga elétrica na rede pode alcançar o chuveiro.

Fonte: g1