- I Parte
– Nossa cultura política
Começo com a historinha da mineirice.
Vai pra onde?
31 de março de 1964. Benedito Valadares se encontra com José Maria Alkmin e Olavo Drummond no aeroporto de Belo Horizonte:
– Alkmin, para onde você vai?
– Para Brasília.
– Para Brasília, ah, sim, muito bem, para Brasília.
Os três saem andando para o cafezinho, enquanto Benedito cochicha no ouvido de Drummond:
– O Alkmin está dizendo que vai para Brasília para eu pensar que ele vai para o Rio. Mas ele vai mesmo é para Brasília.
Esse tipo de artimanha é chamado de engano de segundo grau. Quer dizer: engano meu interlocutor, dizendo-lhe a verdade para tirar proveito da sua desconfiança. A historinha original é judia e expressa com humor o refinamento a que leva o ocultamento de informações:
“Que sacanagem, o senhor quis fazer-me acreditar que vai a Minsk. Acontece que o senhor vai mesmo a Minsk”.
Morreu pra você
Outra historinha com José Maria Alkmin (1901-74). Encontrando-se com um eleitor, abraça-o efusivamente e diz: “não deixe de dar lembranças a seu pai”. O rapaz se assusta: “mas meu pai morreu, doutor”. “Morreu pra você, filho ingrato! Ele continua muito vivo no meu coração”, retruca o sagaz político, que foi secretário estadual, deputado e ministro da Fazenda de JK. A historinha expressa um jogo de soma zero, que envolve a sagacidade de um e a malandragem de outro. O que eles querem dizer é isso: “quando você pensa que está indo, eu já estou voltando”.
Traço do nosso caráter?
De onde vem esse ar de esculhambação geral que se observa na paisagem brasileira, especialmente na arena política? Parte se origina nos traços culturais do caráter nacional, que junta parcela de dispersão à afoiteza e fortes doses de intuição a um fingimento que, na política, é muito comum quando um político cumprimenta uma pessoa dando tapinhas nas costas, enquanto pisca matreiramente para outra. A postura é a de alguém que quer abraçar o mundo, tirar partido de tudo e de todos, ou, ainda, acender uma vela a Deus e a outra ao diabo.
Com padrinho, não morre pagão
A esperteza não se restringe aos atores políticos. Faz parte do cotidiano dos eleitores, principalmente daqueles de baixo poder aquisitivo que habitam os fundões do país. As correntes fisiológicas ainda pesam forte na balança eleitoral, chegando a ultrapassar 25% do eleitorado. De certa forma, trata-se de remanescentes da cultura do apadrinhamento, ainda bem acentuada nas regiões norte, nordeste e centro-oeste, além de redutos periféricos das metrópoles acostumados às práticas clientelistas. “Quem tem padrinho, não morre pagão”, é a voz corrente nos currais eleitorais. “Para os amigos, pão, para os inimigos, pau”. Ditado comum na linhagem de caciques regionais.
A ordem pessoal
Os comportamentos políticos, tanto de representantes quanto de representados, fazem parte da cultura de infração de normas, cuja origem está nos primeiros passos da colonização brasileira. A inversão de valores, a lei do patrão como norma absoluta, a dispersão das comunidades ao longo do litoral e a conquista de vastos espaços do Interior acentuaram, ao longo de nossa história, a predominância da cultura personalista. A ordem pessoal torna-se mais importante que a ordem coletiva. É fato que ainda hoje esse traço se mantém presente na vida institucional. Trata-se da configuração de uma estrutura social fragmentada, dispersa, pulverizada em núcleos patriarcais que se espalham por muitos cantos.
Fulanização
Hoje, o reflexo desses traços aparece na fulanização política. Os partidos brasileiros têm menos importância que seus líderes. Tornaram-se emasculados, fundiram suas identidades, com a perda de substância doutrinária, imbricando-se a ponto de se ver um conluio esquisito entre PT e partidos do centrão, como se fossem água do mesmo poço. A social-democracia passou a ser um espaçoso buraco no centro da galáxia política para abrigar não apenas tradicionais participantes, mas liberais de designações e conotações variadas, ex-socialistas revolucionários e comunistas históricos, que, ante a derrocada da utopia marxista, tiveram de se recolher em espaços mais aceitáveis pela sociedade.
Qual a postura do eleitor?
Qual a postura do eleitor ante esse quadro? É a de distanciamento e observação. Ele não mais acredita em melhorias. A mídia oferece para sua análise o cardápio com os pratos repetidos da violência indiscriminada e o poder paralelo de grupos organizados e armados; as negociações políticas envolvendo alianças interpartidárias, temperadas com os caldos fisiológicos regionais; corrupção em todas as esferas públicas; inação do poder judiciário, ante o clamor da população por uma justiça cada vez mais lenta; fulanização política ocupando espaços partidários, em frontal infração à legislação, aumentando a sensação do estado de anomia em que vive o país.
4 tipos de sociedade
Desencantado, o eleitor fixa em sua cachola o pensamento de que o Brasil é um país sui-generis. Somos a mais obtusa sociedade entre, pelo menos quatro tipos conhecidos: a inglesa, a mais civilizada, onde tudo é permitido, salvo aquilo que é proibido; a alemã, onde tudo é proibido, exceto aquilo que é permitido; a totalitária, onde tudo é proibido, mesmo aquilo que é permitido e, pasmem, a brasileira, onde tudo é permitido, mesmo aquilo que é proibido.
- II Parte
– A campanha política
O marketing de campanha
O marketing político eleitoral abriga duas vertentes: o marketing massivo, voltado para atingir classes sociais e categorias profissionais, indistintamente; e o marketing vertical, segmentado ou diferenciado, voltado para atender agrupamentos especializados: profissionais liberais, donas de casa, formadores de opinião, núcleos religiosos, militares, funcionários públicos, etc. Nas campanhas, o marketing segmentado acaba assumindo tanta importância quanto o marketing massivo. E a razão está na intensa organicidade da sociedade brasileira. Na campanha deste ano, o marketing segmentado deverá ser o foco central dos profissionais de marketing.
Ciclos da campanha
Orientação para candidatos e assessores: estabelecer adequado cronograma dos ciclos da campanha. Que, como se sabe, possui 5 ciclos: lançamento, por ocasião da Convenção; crescimento, entre quatro e cinco semanas após a Convenção; maturidade/consolidação, quando a campanha se firma no sistema cognitivo do eleitor, após ampla visibilidade; clímax, momento em que o candidato alcança seu maior índice de intenção de votos; e declínio, quando o candidato tende a cair nas pesquisas de opinião. Todo esforço se faz necessário para o clímax ocorrer na semana das eleições. A dosagem dos ciclos há de obedecer ao funil da comunicação – deve jorrar mais água (volume de comunicação/visibilidade) na segunda quinzena de setembro. Candidato que começa a decair antes do tempo ameaça morrer antes de chegar à praia.
Planejamento de campanhas
Este consultor, ancorado em sua vivência, chama a atenção para o planejamento do marketing das campanhas. Que abriga estas metas: 1) priorizar questões regionalizadas, localizadas, na esteira de um bairro a bairro, ou seja, fazer a micropolítica; 2) procurar criar um diferencial de imagem, elemento que será a espinha dorsal da candidatura, facilmente captável pelo sistema cognitivo do eleitor; 3) desenvolver uma agenda que seja capaz de proporcionar “onipresença” ao candidato (presença em todos os locais); 4) organizar uma agenda contemplando as áreas de maior densidade e, concentricamente, chegando às áreas de menor densidade eleitoral; 5) entender que eventos menores e multiplicados são mais decisivos que eventos gigantescos e escassos; 6) atentar para despojamento, simplicidade, agilidade, foco para o essencial, mobilidade, propostas fáceis de compreensão e factíveis. Esse um resumido escopo de planejamento.
Marketing: os 5 eixos
Resgato, aqui, os cinco eixos do marketing eleitoral: pesquisa, formação do discurso (propostas), comunicação (bateria de meios impressos – jornalísticos e publicitários – e eletrônicos), articulação política e social e mobilização (encontros, reuniões, passeatas, carreatas, etc.). A mobilização dá vida às campanhas. Energiza os espaços e ambientes. A articulação com as entidades organizadas e com os candidatos a vereador manterá os exércitos na vanguarda. A comunicação é a moldura da visibilidade. Principalmente em cidades médias e grandes. Sem ideias, programas, projetos, os eleitores rejeitarão a verborragia. E, para mapear as expectativas, anseios e vontade, urge pesquisar o sistema cognitivo do eleitorado.
- III Parte
– Raspando o tacho
– Garantindo a permanência do ministro da Articulação, Alexandre Padilha, no ministério, Lula foi direto: “só por teimosia, vai ficar aqui por muito tempo”. Recado ao Congresso, com jeitão de puxão de orelha: quem manda nessa joça, sou eu. Só por birra, ninguém, fora eu, mexe com Padilha.
– Mais uma vez, Israel protesta contra neutralidade do Brasil em relação ao conflito com o Irã. Brasil queima suas relações.
– Donald Trump começa a ser julgado no 1º julgamento criminal. Há contra ele 34 acusações. Vai haver balbúrdia.
– MST faz pressão sobre o governo. Invasão no campo em ano eleitoral é gasolina na palha. Vai queimar os votos de apoio aos candidatos lulistas.
– CNJ (Luiz Felipe Salomão) afasta ex-juíza da Lava Jato, titular da operação, Gabriela Hardt, suspeita de peculato e prevaricação; e mais dois desembargadores do TRF-4.
– Sergio Moro, ex-juiz e hoje senador (União Brasil), tem esperança de ser inocentado no TSE. A Corte tem histórico de cassação para casos similares.
– Senador Jorge Seif (PL), de Santa Catarina, será julgado pelo TSE. Denunciado por abuso do poder econômico. Caso semelhante ao de Sérgio Moro. Ambos inocentados pelos respectivos Tribunais Regionais Eleitorais.
– Murilo Hidalgo manda pesquisa do Instituto Paraná Pesquisas em Manaus: Davi Almeida, 29,3%; Amom Mandel, 25,9%; capitão Alberto Neto, 11,5%; Roberto Cidade, 7,6%; Marcelo Ramos, 6,3%; Maria do Carmo, 2,9% e Wilker Barreto, 2,5%.
– Mais um interessado em disputar a vaga de senador, caso Moro seja cassado: Roberto Requião, que saiu do PT.
– Dona Janja diz que tem apoio do marido, e com plena autonomia, para ser articuladora do governo em ações institucionais. Faz bem. Mas precisa combinar com Alexandre Padilha.
– Sinais leves de revigoramento da candidatura Joe Biden nos EUA.
– E Vladimir Putin, hein, passando despercebido. Muitos vídeos nas redes sobre sua vida no Kremlin. Todos positivos. Querendo “vender” simpatia.
– Vem uma frente fria por aí. Centro-Sul.
– Meta fiscal será de 0% do PIB e não 0,5% em 2025. Dólar negociado a R$ 5,21. Haddad ajustando a régua.
Fecho com a raposice do dr. Alkmin.
José Maria Alkmin, um dos maiores sábios mineiros, nunca perdia a tirada.
O eleitor chegou aflito:
– Doutor Alkmin, meu filho nasceu, eu estava desprevenido, não tenho dinheiro para pagar o hospital.
A matreira raposa tascou: – Meu caro, se você que sabe há nove meses, estava desprevenido, calcule eu, que soube agora.
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Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.
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A coluna Porand