In dubio, pro suspeito

*José Renato Nalini

            Um brocardo por todos os estudiosos do direito bem conhecido é o “in dubio pro reo”. Ou seja: havendo dúvida, não se pode condenar alguém. Costuma-se completá-lo com a afirmação de que é preferível um criminoso solto a um inocente preso.

            Não sei se isso vale quando quem está do outro lado da balança é a maltratada natureza tupiniquim. É que há pouco se procedeu à mais escandalosa apreensão de madeira de lei, a maior na História do Brasil, na já combalida floresta residual do Pará, o estado mais dendroclasta desta Federação.

            Foram apreendidos, na continuidade da operação, mais 131,1 mil metros cúbicos de toras, o que seria suficiente para a construção de 2.620 casas populares. O delegado federal Alexandre Saraiva, indignado com a apreensão, disse que sob sua superintendência na Polícia Federal do Amazonas, não se “soltaria a boiada”. Foi o que bastou para que fosse exonerado. Punam-se os inocentes, louvem-se os bandidos.

            A justiça federal de primeira instância liberou a madeira apreendida, sob argumento de que as investigações ainda estão em fase incipiente, “a evidenciar a fragilidade com a qual atos persecutórios ostensivos e restritivos de direitos e liberdades (tal como a apreensão de bens) teriam sido praticados quando ainda incerta a constatação de crimes e a sua autoria, sem que fosse possível a constatação de fundadas razões para tanto” (sic). Então tá!

            Esquece-se que a natureza é um bem essencial à vida, não só dos atuais viventes, mas das futuras gerações que estão sendo desprotegidas por uma visão de lide interindividual, quando o que está em jogo é o futuro da sobrevivência de qualquer espécie de vida no planeta.

            Proteja-se o exaurimento daquilo que já foi a maior floresta tropical da Terra. A terra dizimada será insuscetível de recuperação. A ciência já demonstrou que o solo amazônico é pobre. A região está condenada a ser um novo deserto. Os exterminadores do futuro cuidarão de acelerar suas nefastas atuações, para que isso ocorra o quanto antes.

            Rasga-se a Constituição, principalmente seu artigo 225 e a vasta coletânea de normas que existem apenas para fomentar a produção editorial de nefelibatas. O que também tenderá a acabar. Pois livro é feito com árvores. Quando estas não existirem, só as vias digitais.

*José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2021-2022.

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