Revelações do frio

“…a pobreza sempre foi e continua um enorme ativo político-eleitoral…”

No provável país com maior abundância de recursos naturais e riquezas minerais, de gigantescas extensões de terras férteis, de clima tropical temperado, cujas menores temperaturas raramente entram no negativo em poucas regiões, uma prevista e esperada onda de frio mais intenso é motivo de enorme preocupação para grande parte da população sem recursos sequer para um agasalho.

Com milhões de pessoas vivendo nos pardieiros das favelas e palafitas e outros tantos na indecência dos cortiços, cuja soma de moradias inadequadas ultrapassa a ¼ da população brasileira, o inverno se torna revelador do atraso e do descaso.

Notas oficiais dos órgãos de defesa civil, mobilização de prefeituras e governos para atender a chamada população de rua, as seguidas e eternas campanhas do agasalho e a atuação das igrejas e das pessoas envolvidas em assistência aos mais pobres são provas inequívocas de que a diferença social e de acesso a recursos mínimos para a sobrevivência é na verdade um grande abismo que só cresce.

E, não obstante ao holofote que expõe mazelas que deveriam estar superadas, é justamente a desigualdade, o sofrimento e a dor dos mais pobres que servem para alavancar a popularidade daqueles que praticam a benemerência de ocasião.

Nos quase dois séculos de independência, o que se constata é que a pobreza sempre foi e continua presente como um enorme ativo político-eleitoral, justamente onde se encontra a maior reserva de votos que podem ser trocados pela comida ou pelo cobertor barato que atende a um inverno.

Não por acaso, as soluções apresentadas quase sempre atendem situações momentâneas, como os abrigos em caso de enchentes, a comida nos casos de fome e as cobertas em caso de frio, pois não é de interesse estratégico habilitar as pessoas como capazes e aptas a escolher seus caminhos sem a dependência de terceiros interessados na manutenção de seus redutos manipuláveis.

Diante desta constatação tristemente conhecida e verdadeira, o que mais se faz é imputar aos desassistidos a culpa pela falta de assistência com acusações de preguiça, incapacidade ou indolência, por meio da pregação permanente de que falta vontade de trabalhar.

Quem jamais teve acesso a um endereço, a uma cama descente, ao alimento necessário para a saúde física e mental e, que, diante do frio precisa de um cobertor em forma de esmola, jamais poderá ser cobrado de exercer a cidadania que o sistema econômico e social sempre lhe negou.

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Cláudio Pissolito

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