Por volta das 9h da última terça-feira, a passeadora de cachorros Vera Lúcia Souza de Oliveira, de 50 anos, trabalhava no Jardim de Alah, Zona Sul do Rio, quando viu um pitbull atacar um boxer. Na briga, uma mulher tentou separar os animais, caiu e machucou o joelho. Com mordida forte e sacudida de cabeça potente, o pitbull, apesar de costumar apresentar comportamento dócil com pessoas, pode demonstrar agressividade junto a outros cães. De acordo com a Confederação Brasileira de Cinofilia, “a raça necessita de proprietários que os socializem cuidadosamente e que ensinem obediência a eles”.
— Os cães estavam brincando, quando, de repente, o pitbull, sem coleira nem focinheira, estranhou e começou as mordidas. A dona não conseguia separar, e todos da praça precisaram ajudar para evitar uma tragédia — lembra Vera.
Levantamento feito pelo EXTRA nos registros da Polícia Civil mostra que o estado do Rio registrou, nos últimos 12 meses, 41 crimes envolvendo cachorros da raça pitbull sem coleira ou focinheira — o que representa um delito a cada oito dias. Entre as ocorrências, estão ameaça, lesão corporal, maus-tratos e ainda omissão de cautela na guarda ou condução de animais e perigo à vida ou à saúde.
Há registros de crimes dessa natureza em todas as regiões do estado, entre 30 de junho de 2021 e a mesma data deste ano. Em 21 de agosto, uma dona de casa de 46 anos procurou a 15ª DP (Gávea) depois que o pitbull do vizinho matou seu gato, no play de um prédio no Vidigal. Dois dias depois, um empresário de 32 anos ir à 36ª DP (Santa Cruz) após sua cadela poodle ser morta pelo pitbull do seu vizinho. Segundo ele, o animal ficava solto durante a madrugada e, naquele dia, entrou no seu quintal e puxou o cãozinho pela grade.
— Minha cadela foi criada em casa e sempre foi muito dócil. Infelizmente, ela não suportou os ferimentos e morreu no dia seguinte — contou.
De acordo com o deputado estadual Carlos Minc (PSB), autor da lei 3.205, de 1999 — regulamentada seis anos depois pela 4.597 —, a falta de aplicação das medidas previstas, assim como a inexistência de um canal de denúncias, prejudica a efetividade da norma e aumenta o risco de ataques.
O texto estabelece que cães das raças pitbull, fila, doberman e rotweiller só podem circular por ruas, praças, jardins e parques, se conduzidos por pessoas com mais de 18 anos com coleira e focinheira. Os condutores passaram a ser “responsáveis pelos danos que venham a ser causados pelo animal”. Entre as sanções, está multa de até R$ 20 mil, dobrada em reincidência.
— Quantas pessoas mais terão que ser atacadas, quantos cachorros serão trucidados, para que se faça alguma coisa? — questiona Minc.
A Polícia Militar afirmou que “qualquer pessoa que se sentir ameaçada” em situações envolvendo cães ferozes deve acionar o 190 para que “as medidas em defesa da coletividade sejam adotadas”. A Guarda Municipal informou que atua “em flagrante, conduzindo o dono do animal para a delegacia”, além de “apoiar o socorro às vítimas”.
Treino para socialização evita violência
Segundo o veterinário e especialista em comportamento animal Alexandre Rossi, o Dr. Pet, fundador da Cão Cidadão, a socialização bem feita, com adestrador, pode ajudar, sobretudo, com filhotes de até 90 dias, a impedir as atitudes predatórias, como correr atrás de crianças, e evitar violências futuras:
— Quando a gente não socializa corretamente e não apresenta todos os estímulos, como crianças correndo e brincando, idosos com muleta, cães de raças diferentes, a gente pode facilitar esse ataque. Ele vai atacar por medo do desconhecido.
Para o veterinário e adestrador Henrique Perdigão, a violência não é inerente à raça. Segundo ele, pitbulls treinados podem viver com crianças e outros cães. Perdigão destaca que a cultura construída em torno da origem do animal leva ao comportamento agressivo.
— Existe um histórico cultural relacionado à aparência dos pitbulls. Eles se tornaram símbolo de masculinidade devido à sua origem como cachorro de rinha. Muitas pessoas adquirem pitbulls com a intenção de ter um cachorro violento e acabam incentivando comportamentos agressivos, sem se preocupar com o direito do próximo.
Semana passada, Cristine Moutinho, de 58 anos, brincava com Lino, seu lulu da pomerânia, numa praça de Ipanema, quando um filhote de pitbull agarrou o pescoço de um poodle:
— Todos ficaram muito assustados, deram pancadas na barriga, abriram a mandíbula, e ele acabou soltando, mas fez o cão sangrar. Eles podem ser mansos, mas parece que vira uma chave e algo acontece.
Fonte: Extra