Gaudêncio Torquato
Quarta-feira, 16 de novembro de 2022 – Migalhas nº 5.478.
Nesses tempos de Brasil rachado ao meio, abro a coluna com uma….
Conjunção rachativa
Historinha da Bahia. Grande de nome e pequeno de corpo. Magricela, esperto, inteligente, José Antônio Wagner Castro Alves Araújo de Abreu, sobrinho-neto de Castro Alves, herdou o DNA, o talento e a vadiagem existencial do poeta. Não gostava de estudar. No esporte, era bom em tudo.
Colega de Sebastião Nery, no primeiro ano do seminário menor, na Bahia, em 1942, na aula de português, o padre Correia lhe perguntou o que era “mas”.
– É uma conjunção.
– Certo, mas que conjunção?
Zé Antônio olhou para um lado, para o outro e respondeu:
– Conjunção rachativa, professor.
– Não existe isso, Zé Antônio.
– Existe, professor. Quando a gente quer falar mal de alguém, sempre diz assim: – Fulano até que é um bom sujeito, mas… E aí racha com ele.
O Brasil rachado
Vamos ter de conviver com apupos e aplausos nos próximos tempos. Movimentação nas ruas, pequenas aglomerações, encontros nas grandes avenidas, manifestações das categorias profissionais organizadas. O fato é que o Brasil está rachado. Ao meio. E nessa rachadura emergirão os insatisfeitos, os indignados, os inconformados, os radicais. Na arena, o PT e Lula contra Bolsonaro e seus simpatizantes.
Muda o giro
Em tempos de ontem, era o PT que dominava as ruas. Ou o MST. Os movimentos à esquerda do arco ideológico. O petismo cresceu sob as ondas de protestos. O PSOL, depois, tomou seu lugar. A roda girou. Hoje, a extrema direita ocupa as ruas. Dá as caras para bater e se engalfinhar. Terá condições de permanecer na paisagem? Resposta: vai depender de sua liderança principal, Jair Bolsonaro. A continuar recluso, vai perder seu rolo compressor. O presidente ainda não reconheceu a derrota.
O bolsonarismo persistirá?
O país tem espaço, e muito amplo, para a fixação de uma direita programática. Que ganharia força sob o empuxo de bandeiras e valores da família. A índole de Jair tem condições de aguentar o tranco, fazer campanha todo tempo, ao longo do governo Lula III? Terá força para comandar motociatas? A diversão eleitoral ainda encontrará motivação para correr ruas e estradas? Vai depender de Lula.
Lula III
O mundo mudou, o Brasil mudou, a política abriu novos desafios, o animus animandi da sociedade quer encontrar novos motores. Não será fácil usar o gogó como há 30, 20, 10 anos. O povo está saturado de discurso, promessas, blábláblá. Quer ação. A propósito, lembro o parágrafo que abriu meu último artigo: Perguntaram uma vez ao grande Demóstenes (384-322 a.C.), famoso pelo dom da oratória: “Qual a principal virtude do orador?”. Respondeu: “Ação“. Insistiram: “E depois?” Voltou a repetir: “Ação“. Sabia ele que essa virtude, própria dos atores, era mais nobre que a eloquência. A razão? A ação é o motor da humanidade.
Administrando o poder
Lula da Silva prometeu fazer um governo além do PT. Conseguirá? É tão forte a crença do PT em sua identidade de sigla vestida no manto sagrado das virtudes que o alfabeto petista é declamado de maneira quase automática por seus integrantes: “o governo do PT, nosso governo, o PT é isso, o PT não é aquilo“. Esse é o nó que Luiz Inácio terá de desfazer: furar a bolha do petismo, puxando partidos de cores diferentes do vermelho para uma administração compartilhada, respeitando as visões de novos parceiros, compreendendo as recentes disposições como fator de garantia da governabilidade. Em suma, aceitar que o partido não deve e não pode se considerar uma “igreja” de fiéis convictos, fechada ao ingresso de outros crentes.
A democracia participativa
Lula promete impulsionar os eixos da democracia participativa. Ouvir a sociedade sobre suas demandas. E o país quer abrir a garganta. Dizer o que quer. Como estamos percebendo, o Brasil é um laboratório de organicidade social. Em todos os espaços do território, vemos as sementes da intermediação social a cargo de uma gigantesca teia de organizações não governamentais. Sindicatos, associações, federações, movimentos, núcleos, grupos se espalham pelo território. São os novos polos de poder. Os novos eixos da democracia participativa.
Lula manda, Lula pode
O empecilho para esses novos horizontes da democracia participativa está no próprio PT. Que já começa a brigar por espaços. Acha-se pouco representado nos quadros do governo de transição. Quer mais, apesar de ter uns 15 ex-ministros na moldura. Se Gleisi Hofmann, a atual presidente petista, ocupar um ministério, quem a substituirá na presidência do PT? Lula definirá. Mas haverá sangue escorrendo nos bastidores. Quem vestiria o figurino para os tempos que virão? Os prováveis nomes deverão ter outros cargos e não poderão ocupar o comando do partido. Briga de foice. A não ser que o presidente eleito dê um basta às querelas internas.
Aluguéis em Brasília
A especulação imobiliária em Brasília inicia sua temporada. O preço dos aluguéis chega a 50% de aumento ante a enxurrada de quadros do PT e parceiros que esperam habitar novamente nas franjas do poder. Uma volta aos dias de ontem.
São Paulo será de Tarcísio
O governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas, tem todas as condições de inaugurar seu ciclo de poder. O PSDB perdeu seu domínio no Estado. As lideranças de hoje são as lideranças de ontem. Desgastadas. Com exceção de Geraldo Alclmin, vice presidente da República, eleito. Tarcísio tem uma identidade técnica. E pode ser uma estrela no meio do céu em 2026.
Rosângela
Não se espere de Rosângela da Silva um papel de dona de casa durante o governo Lula III. Trata-se de uma socióloga com vez e voz.
Covid 19 volta
A covid 19 volta com intensidade. As internações hospitalares se expandem. O relaxamento geral é a causa do novo surto. A vacinação perde força. Os doentes se multiplicam.
Fleury
O ex-governador Antônio Fleury Filho nos deu adeus. Era uma pessoa cordata e educada. Sabia ouvir e respeitar os interlocutores. Trocamos muita conversa. Que Deus o acolha.
Imbassahy
Por onde anda Antônio Imbassahy? O ex-governador da Bahia, o ex-prefeito de Salvador, o ex-deputado, o ex-presidente da Assembleia Legislativa, o ex-ministro do governo Michel Temer é um dos melhores quadros da política nacional. Precisa voltar à primeira fila do palco político.
Fecho com uma historinha do Ceará.
Está “distituído”
O major José Ferreira, cearense dos bons, amigo do padre Cícero, é quem relata:
“Há muito matuto inteligente e sagaz, mas também há muito sujeito burro que se a gente amarrar as mãos dele pra trás das costas, ele não sabe mais qual é o braço direito nem o esquerdo… Eu também conheço matuto que, abrindo a boca, já sabe: ou entra mosca, ou sai besteira.”
O major continua a conversa:
“Quando foi criado o município de Missão Velha, a escolha do primeiro intendente recaiu num velho honrado, benquisto e prestigioso, mas muitíssimo ignorante. Cabia-lhe o encargo de declarar instituído o município. Um dos “língua” do lugar seria o orador oficial. Ele, o chefe do executivo municipal, deveria dizer simplesmente: “Está instituído o município de Missão Velha!”. Levou quinze dias decorando a frase, e, na ocasião da solenidade, exclamou: “Está DISTITUÍDO o município de Missão Veia“.
(Historinha capturada pelo bom Leonardo Mota em Sertão Alegre – poesia e linguagem do sertão nordestino).