A Excelência e a subserviência

Uma medida arbitrária adotada por uma juíza do trabalho de Santa Catarina, de anular o depoimento de uma testemunha que não cumpriu a regra que ela impôs na audiência, para que o depoente dissesse “o que a Sra. deseja, Excelência?”, suscitou o retorno de um debate antigo sobre a forma de tratamento às chamadas “autoridades”, meros funcionários públicos graduados e devidamente remunerados pela sociedade que atendem.

Caso semelhante, ocorrido em 2014, que chegou ao STF como pedido de um juiz que desejava ser chamado “senhor” ou “doutor” no condomínio onde residia, felizmente deu ganho de causa aos moradores.

As formas de tratamento diferenciadas, criadas pelos grupos dominantes, mostram de maneira explícita a hierarquização das sociedades e a posição de fala de cada casta diante da outra, sempre impondo a condição de poder, de domínio e de saber sobre os menos aquinhoados e não letrados.

E, quando o poder econômico também chegou aos aventureiros, aos desbravadores e posseiros rústicos e analfabetos, surgiram os coronéis e os capitães, em títulos oficiais concedidos ou informais, sempre pela imposição da condição social e do poder político exercido pela liderança alcançada.

“…as formas de tratamento diferenciadas e reverenciadoras são mantidas…”

A escolarização das classes médias a partir de meados do século 20 elevou outras categorias à condição econômica e acadêmica superiores, como médicos, advogados, engenheiros e, principalmente, agrônomos e veterinários que atendiam os pequenos agricultores, os meeiros e arrendatários que dependiam dos órgãos oficiais.

Como forma de reverência, e até de subserviência, o título de doutor, ainda exclusivo aos que completam programas acadêmicos de doutorado em suas áreas de especialidade, também passou a ser usado como prefixo aos nomes destes profissionais com atuação direta junto à sociedade.

Mesmo diante da evolução nas formas de organização social, de mais participação popular e liberdade nas decisões políticas e da chegada de classes inferiores economicamente às universidades, as formas de tratamento diferenciadas e reverenciadoras são mantidas como diferenciação do lugar social de cada indivíduo.

Em última análise, a forma de tratamento é uma maneira cordial e respeitosa de manter a civilidade e a harmonia nas relações e nos embates nas instituições, mas também é meio de imposição hierárquica de autoridades despreparadas para entender a dinâmica social e, consequentemente, exercer com dignidade o cargo que ocupam.

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Cláudio Pissolito

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