Artigo: Aproveitar a vida – Por José Renato Nalini

Há um discurso recorrente que chega com insistência pelas redes sociais: aproveite sua vida. Dê sentido a ela. Mas o que, na verdade, significa isso?

            A longevidade garantiu uma existência que ultrapassa as poucas décadas de há alguns séculos. Hoje, quem se cuida e tem sorte, pode chegar aos cem. Já não são raros os humanos que ultrapassam os noventa com lucidez e boa qualidade de vida.

            No entanto, nem sempre sabemos exatamente o que é valorizar essa dádiva gratuita e preciosa da existência. Parece que somos condicionados a fazer aquilo que se exige ou que se espera de nós. Aventuras, fantasia, imaginação, tudo isso desapareceu do cenário.

            Como pensar que pessoas que morreram antes dos sessenta experimentaram o inimaginável? É surpreendente verificar algumas biografias e constatar o que chegaram a fazer, em espaço temporal de que nem nos damos conta.

            John Donne (1572-1631), aquele que indagou “Por quem os sinos dobram?” e que ficou célebre pela frase “homem nenhum é uma ilha”, em sua mocidade era extremamente sensual e lascivo. Um poeta libertino, muito chegado ao sexo.

            Foi batizado na Igreja Católica num período em que os papistas eram condenados à morte. Um irmão caçula deu abrigo a um sacerdote e por isso foi preso. Enquanto aguardava a sua execução, morreu de peste na prisão.

            John foi pirata, chegou a atacar a Invencível Armada, esteve nos Açores, saqueou Cádiz. Casou-se com uma adolescente e por isso chegou a ser encarcerado. O casal teve doze filhos em dezesseis anos de casamento. Dois nasceram mortos e três morreram antes de completar dez anos.

            Quando a esposa, Anne, faleceu, ele perdeu o rumo. Embora seu pensamento continuasse com sede no sexo, a falta que ela lhe fez o deixou em transe. Embora poeta, não conseguiu escrever sobre a morte da mulher. Sua explicação: “a grande tristeza não pode falar”. Em lugar disso, escreveu um manual sustentando a legitimidade e a necessidade de se prestigiar o suicídio.

            Tornou-se anglicano. Foi ordenado e ascendeu na hierarquia da Igreja oficial do Império Britânico. Prestigiado, conviveu com Jaime I, enriqueceu. Os seus sermões na Catedral de Saint Paul, o palco dos mais importantes casamentos londrinos, eram disputados por uma super-frequência. Tudo isso e não chegou a completar sessenta anos.

            E se indagado se realmente aproveitou sua vida, o que teria dito?

*José Renato Nalini é Diretor-Geral da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras.

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