Entidades como a Recicla Latas, a Associação Brasileira do Alumínio (Abal) e a Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alumínio (Abralatas), estão anunciando festivamente que em 2022 os recicladores processaram 390,2 mil toneladas de sucata de latinhas, equivalentes às 31,85 bilhões de unidades de latas comercializadas durante o ano. Celebram o inédito índice de reciclagem de 100% alcançado pelo Brasil que, segundo seus dirigentes, evidencia o sucesso na reciclagem de latas de alumínio para bebidas, cuja notícia foi repercutida pela mídia nacional sem questionamentos ou detalhamentos.
As empresas que fazem a reciclagem, incentivadas e até subsidiadas pelos governos de várias instâncias, não divulgaram a origem das latinhas, muito menos as porcentagens que vieram da coleta seletiva e dos ecopontos disponíveis em espaços públicos e condomínios, comparadas ao que se recolheu nas ruas e nos lixões. Com mais de 1/3 das cidades brasileiras descumprindo a lei e despejando lixo a céu aberto, grande parte do material reciclado é recolhida pelos catadores miseráveis que dividem espaço e até comida com ratos e urubus, como se observa cotidianamente.
Lamentavelmente, o nosso elevado índice de reciclagem de latinhas, a imensa maioria de cerveja, não é obtido graças à consciência ambiental da população ou pelo descarte correto do lixo, pois o trabalho dos catadores em espaços públicos e em meio a grandes eventos é cada vez mais visível. Após um grande show de ingresso a custo elevado, depois do jogo de futebol e nas imediações de bares e boates, de luxo ou de periferia, é que se consegue coletar o maior número de latas descartadas de forma deseducada e irregular por aqueles que detêm mais poder econômico e, consequentemente, mais educação formal.
O mérito do nosso elevado índice de reciclagem perde o brilho quando se verifica que não foi alcançado pela eficiência dos serviços de coleta, pela consciência ambiental das pessoas ou pela boa remuneração e melhoria das condições oferecidas aos catadores, mas sim pela pobreza e necessidade de grande número de brasileiros sem oportunidades de trabalho mais digno. A chamada economia circular, que ajuda a combater a poluição e a proteger a fauna e a flora, não pode e não deve ser ancorada na precariedade da condição econômica e social dos mais pobres, mas sim na educação e na consciência coletivas.
“…mais de 1/3 das cidades brasileiras descumprindo a lei e despejando lixo a céu aberto…”
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