‘Fui a hospital achando estar só constipada e saí com pés e mãos amputados’; saiba o motivo

A professora Cláudia Fontes, 45, foi até um pronto-socorro no Rio em dezembro de 2023 com fortes dores abdominais.

Acabou diagnosticada com cálculo renal e infecção urinária, mas o quadro se complicou —Cláudia foi internada, quase morreu e, dois meses depois, recebeu alta, mas voltou para casa com os pés e as mãos amputados.

Cheguei ao hospital achando que era apenas uma constipação. Fiquei 63 dias internada, 10 deles em coma, e precisei amputar meus pés e minhas mãos para sobreviver.

Cláudia Fontes

As dores que Cláudia sentia eram, na verdade, causadas por um cálculo renal preso no ureter e infecção urinária aguda.

Rapidamente, o estado de saúde dela evoluiu para um quadro de sepse —síndrome que causa uma resposta exagerada do corpo a uma infecção. E o tratamento para combater o problema acabou levando à necessidade de amputação.

Cláudia diz que adaptação não é fácil e conta com ajuda para prótese Foto: Arquivo pessoal

“Eu tive parada cardiorrespiratória e meu rim parou 100%. Durante o processo do coma, a pele das minhas extremidades ficou muito escura. Acordei com os pés e as mãos enfaixados”, conta Cláudia.

Com o tempo, meus pés e mãos pareciam que tinham sido queimados, foram ficando pretos e duros. Parecia que não eram mais meus.

Cláudia Fontes

Tratamento para a sepse causou falta de vascularização nas extremidades do corpo, o que levou à amputação Imagem: Arquivo pessoal

Cláudia precisou passar por duas cirurgias: primeiro, para a amputação dos braços e, uma semana depois, uma nova operação para amputar os pés. “Eu pensava o tempo todo: tira logo isso de mim, isso não faz mais parte do meu corpo”, lembra.

Adaptação à nova vida

Após receber alta, Cláudia voltou para a casa em que vive com os quatro filhos. “Foi um choque. Passei pelos dias mais estressantes da minha vida. Ainda não tinha nem cadeira de rodas e dependia que me pegassem no colo para me movimentar”, conta.

“A minha casa tem dois pavimentos e meu quarto era na parte de cima. Eu comprei uma joelheira de vôlei e decidi que iria subir a escada. Quando consegui, comecei a engatinhar, a andar igual bebê.”

A ajuda de uma vaquinha online e do Clube de Regatas Vasco da Gama, do qual Cláudia é torcedora, permitiu que ela adquirisse as próteses para os membros inferiores.

“Escolhi as próteses inferiores primeiro porque assim eu posso levantar, ter autonomia para sair da cadeira de rodas, ir ao meu quintal, cuidar das minhas plantas”, explica.

Agora, a professora luta para conseguir as próteses superiores. Enquanto isso não acontece, ela conta com a ajuda, principalmente, da filha mais velha, Letícia Fontes, de 17 anos.

“A minha filha é adolescente e hoje eu dependo dela para muitas coisas. Ela me ajuda a comer, a tomar banho, a fazer a higiene íntima. Às vezes, eu vejo ela cuidando de mim e acho que é um peso imenso. Ela não me fala, mas ela tem todo o direito de querer fazer as coisas dela. E aí eu choro sozinha. Hoje, tenho de fazer as coisas no tempo das pessoas. Ter as próteses superiores melhoraria a minha vida em 100% e me daria essa independência.”

Cláudia Fontes, 45, com os quatro filhos: desde que se tornou tetra-amputada, ela conta com a ajuda filha mais velha, Letícia Fontes, 17, para fazer a higiene pessoal e se alimentarImagem: Arquivo pessoal

‘Não sou a mulher forte que todo mundo pensa’

Cláudia conta que, após as amputações, sente falta de fazer coisas básicas do dia a dia. “Eu fico muito triste porque não dirijo mais, e dirigir para mim era um momento só meu. As pessoas reclamavam do trânsito, mas eu adorava”, diz.

Cláudia usa próteses nos membros inferiores Imagem: Arquivo pessoal

“Sinto muita falta de ir à praia. Não frequento nenhuma religião, mas eu creio em Deus e minha conexão com Ele sempre foi ir à praia. E já completou um ano que eu não vou”, lamenta a professora.

A carioca costuma compartilhar alguns momentos da vida como tetra-amputada nas redes sociais e afirma que é importante mostrar as dificuldades que enfrenta, além dos momentos de superação.

“Eu não me coloco nessa posição de coitada, mas também não sou essa mulher forte que todo mundo pensa. A minha dor é imensa, minha vida não é fácil. Não existe nenhum glamour e não dá para romantizar a minha história”, diz ela.

Mas também acredito que nada acontece por acaso. Se eu puder transformar essa dor toda em uma coisa positiva para as pessoas, acho que esse é o caminho.

Cláudia Fontes

Entenda a sepse e a amputação

A sepse é uma resposta exacerbada do corpo a qualquer tipo de infecção, causada normalmente por um vírus, bactéria ou fungo. Em geral, as mais comuns são infecção urinária, pneumonia e infecções de pele.

Quando existe uma infecção, nosso corpo vai tentar combatê-la. A sepse ocorre quando há uma resposta exagerada do organismo, que leva a um quadro inflamatório muito grande e acaba resultando em disfunção de órgãos. 

Ariane Melaré, infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz

Entre os principais sintomas da sepse estão diminuição da diurese, confusão mental, sonolência, febre, pressão baixa e aumento da frequência respiratória. As pessoas mais suscetíveis à doença são adultos acima de 60 anos, recém-nascidos, pessoas imunodeprimidas, gestantes, puérperas e pessoas diagnosticadas com alguma comorbidade.

Cerca de 400 mil casos de sepse são registrados anualmente no Brasil, dos quais 60% resultam em morte, segundo o Ministério da Saúde. “A recomendação principal, que é mais associada à diminuição de mortalidade, é a administração dos antibióticos na primeira hora após o diagnóstico de sepse. Por isso, é importante educar a população para que ela consiga fazer esse diagnóstico precoce e chegar ao hospital o mais rápido possível.”

Em alguns casos, o tratamento para a sepse pode causar falta de vascularização nas extremidades do corpo —o que aconteceu com Cláudia. “Quando a sepse acontece associada a um quadro de hipotensão, ocorre o choque séptico. Aí, é necessário o uso de medicação para a pressão subir, as chamadas drogas vasoativas”, explica a médica Ariane Melaré.

Se o corpo não responde ao tratamento, é preciso utilizar esses medicamentos por um período prolongado, causando uma diminuição da vascularização periférica. E pode acontecer de você ter uma isquemia nesses órgãos, e isso evoluir para uma necrose, quando existe a necessidade de amputação.

Ariane Melaré, infectologista

Fonte: VivaBem/UOL

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