O desembargador Eduardo Siqueira, flagrado humilhando guardas municipais ao descumprir um decreto municipal sobre o uso obrigatório de máscaras em Santos, no litoral de São Paulo, tem um longo histórico de abusos de autoridade e ‘carteiradas’. Em entrevista ao G1, uma desembargadora que atuou como juíza substituta de Siqueira se refere a ele como ‘figura desprezível’.
O G1 tentou contato com o desembargador, nesta segunda-feira (20/07), para falar sobre as acusações, mas não houve retorno.
A atual desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo, Maria Lúcia Pizzoti, atuou como juíza auxiliar enquanto Eduardo Siqueira era juiz titular na comarca de Santos. Durante o período em que trabalharam próximo, Maria Lúcia viu Eduardo acumular desafetos nos bastidores do Poder Judiciário.
“Havia um procedimento da parte dele bem parecido como o que aconteceu na praia. Sempre o via tratando pessoas que ele entendia como inferiores a ele com muita autoridade, de forma não urbana. Inclusive colegas. Aquilo me aborrecia profundamente”, relata a desembargadora.
A desembargadora afirma que, por estar começando na carreira e ser mulher, não era tratada adequadamente por Eduardo Siqueira. “Por qualquer motivo, ele queria ser autoritário e agir com autoridade. Tivemos desentendimentos que não valem a pena ser revividos, mas cheguei a processá-lo por difamação e injúria”, conta.
Ele teria, inclusive, tentado prejudicá-la durante seu processo de vitaliciedade, quando um magistrado passa por uma avaliação de dois anos no início da carreira, para adquirir o direito de exercer a profissão vitalícia.
‘FURAR’ PEDÁGIO
Além do processo por difamação e injúria, outra situação recente fez com que a magistrada entrasse com uma representação administrativa contra Eduardo Siqueira. Segundo Maria Lúcia, corriam boatos pelos bastidores do Poder Judiciário que o desembargador teria mandado o motorista do carro oficial passar por cima da chancela do pedágio de Santos para São Paulo.
O caso chegou a ser comentado pelo grupo de magistrados que Maria Lúcia se encontrava, no estacionamento do TJSP. “Ele ouviu o nome dele ser pronunciado. Desceu do carro e veio tirar satisfações, surgiu de forma agressiva, me acuando na frente dos meus colegas”, conta.
De acordo com Maria Lúcia, essas são situações que se repetem quando se trata de Eduardo Siqueira. “Se repetem, mas não poderiam acontecer. Nós [magistrados] deveríamos agir como exemplo.”
“Foi uma pena que ele não tenha sido coibido antes e que tenha chegado a esse patamar. Não é possível um desembargador agir dessa forma, o Brasil inteiro ver e nada acontecer. Ele precisa ser punido de forma muito simples “, diz.
DESEMBARGADOR
Em nota, o desembargador Eduardo Siqueira diz que o vídeo é verdadeiro, mas alega que foi tirado de contexto. Para ele, a determinação por decreto do uso de máscaras em determinados locais é um abuso.
No texto divulgado, Siqueira explica que “decreto não é lei” e que, por isso, entende não ser obrigado a usar máscara, e que qualquer norma que diga o contrário é “absolutamente inconstitucional”. Ele alega que esse não foi o primeiro incidente que aconteceu entre ele e agentes da Guarda Civil Municipal, e que em todas as ocasiões foi ameaçado de prisão de modo agressivo, justificando a exaltação.
“Infelizmente, perseguido desde então, ontem, acabei sendo vítima de uma verdadeira armação”, completa. Ele diz que tomará as providências cabíveis para que os direitos dele sejam preservados e que está à disposição das autoridades judiciais, para esclarecimentos.
ENTENDA O CASO
Imagens obtidas pelo G1 no domingo (19/07), mostraram o desembargador humilhando um guarda municipal ao ser multado por não utilizar máscara enquanto caminhava na praia. Ele chamou o guarda de ‘analfabeto’, chegou a rasgar a multa e jogar o papel no chão e, por fim, deu uma ‘carteirada’ ao telefonar para o Secretário de Segurança Pública do município, Sérgio Del Bel. Segundo a Prefeitura de Santos, o caso ocorreu na tarde de sábado (18/07).
Essa não foi a primeira vez que Eduardo Siqueira agiu dessa forma. Um outro vídeo obtido pela reportagem, mostrou que, no fim de maio, ele já havia desrespeitado e ameaçado um inspetor da GCM, ao ser flagrado também descumprindo o decreto municipal que obriga o uso de máscaras na cidade.
A Prefeitura de Santos afirmou estar prestando total apoio à equipe que fez a abordagem e ressaltou que as multas foram lavradas, tanto pela falta de uso da máscara facial quanto por jogar lixo em vias públicas. A Associação dos Guardas Civis Municipais, por meio do diretor Rodrigo Coutinho, afirmou repudiar o ocorrido e que tomará as medidas judiciais cabíveis.
O guarda que foi humilhado pelo desembargador diz que cumpriu seu papel e, apesar de chateado, ficou orgulhoso por realizar sua função. Tanto ele, quanto o colega de trabalho, se mostraram indignados com o ocorrido.
Providências já estão sendo tomadas pela Corregedoria Nacional de Justiça. Isso porque, o ministro Humberto Martins, determinou a abertura de pedido de providências para apurar a conduta do desembargador.
Fonte: G1