E essa agora… Dizem por aí que goiaba só tem duas cores: branca ou vermelha. Mas insisto em afirmar que no quintal de casa existia uma goiabeira de galhos fortes, sempre recheado pelo verde exuberante de suas folhas tenras, que produzia as mais saborosas goiabas de polpa cor de rosa. Eram vermelhas, diziam os meninos. Já as meninas concordavam comigo: eram róseas. Vermelhas ou róseas, o fato é que eram frutas da melhor amiga que tive na infância, aquela árvore que vi crescer e se tornar adulta antes mesmo que o velho pé de laranja lima lhe desse espaço no meu quintal.
Onde quero chegar com tantas reminiscências? Meninos e meninas um dia fomos e tivemos nossas preferências infantis, nossos pés de manga, goiaba ou laranja, sem dar muito valor à cor, mas ao sabor, à doçura de seus frutos ou mesmo à beleza de suas flores a colorir o azul infinito e sempre celestial dos imensos quintais e sítios de nossa infância. Zezé conversava com seu pé de laranja lima. “Por que você fala?” Este respondeu: “Árvore fala por todo canto. Pelas folhas, pelos galhos, pelas raízes. Quer ver? Encoste seu ouvido aqui no meu tronco que você escuta meu coração bater”. Já meu pé de goiaba rosa pouco falava, mas via em seus frutos a ação de Deus a premiar nossa infância feliz, sem a tola preocupação dos adultos em restringir a pureza e inocência de nossos sonhos e descobertas infantis.
Meninos e meninas ouçam esta. Vivam a vida de criança que são, não dos adultos preconceituosos que hoje lhes ditam regras e normas, mas que nunca viram o milagre da vida debaixo de uma goiabeira no quintal de suas existências. Pudera! Muitos desses sequer quintal tiveram, não viveram a liberdade de uma infância sadia e feliz sem os grilhões dos adultos frustrados que pensam em tudo, até na cor de suas roupas, na liberdade de suas escolhas, na experiência mística com suas crenças e devoções, no gênero e não na genes de suas essências… Qual o mérito do azul sobre o rosa, da goiaba sobre a laranja, do limão sobre o mamão? Que diferença faz ser laranja lima ou limão rosa? O que sobra é a essência daquilo que se é, o sabor, a consistência, o valor, nunca a embalagem, a roupa, a cor que a muitos engana. Seja você mesmo, sempre.
José Mauro, em “Meu pé de laranja lima”, nos fez enxergar que uma infância feliz não se veste dos preconceitos da vida adulta, mas se despe deles. Ao ponto de encontrar num bosque infantil seus verdadeiros amigos e com eles trocar ideias, refutar conceitos, enxergar Deus na simplicidade de tudo. “Adeus amiga. Você é a coisa mais linda do mundo!” – dizia o menino à sua árvore. “Não falei a você” – retrucava a menina Glória, aquela companheira das aventuras e descobertas do menino no quintal da infância feliz. Então este lhe diz solenemente, reafirmando suas convicções: “Falou, sim. Agora se vocês me dessem a mangueira e o pé de tamarindo em troca da minha árvore, eu não queria”.
É isso, então. Adultos sem traumas são aqueles que vieram de uma infância sem dilemas desnecessários, sem as preocupações dos adultos, mas com os dilemas das crianças. Goiaba rosa? Se o menino Jesus as teve em seus vastos quintais da Terra Santa, não o sei. Por lá não existem goiabas, me parece. Mas tamareiras, sim. E estas são conhecidas não pela cor de seus frutos, nem pelo sabor que é maravilhoso, mas pela longevidade de suas sementes. Uma delas brotou recentemente, depois de dois mil anos perdida entre as pedras de Massada, uma fortaleza da história cristã. Dizem que estas só produzem frutos depois de setenta, oitenta anos. O essencial, no entanto, é sua potência de germinação, seu crescimento, sua produção abundante, seu sabor. É isso o que sonho para nossos filhos e netos: ver Jesus menino na pureza de seus pomares infantis, sejam as goiabas rosas ou as tâmaras azuis
Só para pensar: Goiabeira mal cuidada terá frutos bichados; quem planta tâmara não colhe tâmara.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br