Cláudio Pissolito
O folclórico e assertivo jornalista policial Luiz Carlos Alborghetti, paulista do interior que atuou em rádios e TVs do Paraná, previu, ainda em 2006, com sua sabedoria corajosa, debochada e cômica, que o então juiz federal Sérgio Moro seria ministro da justiça ou presidente da república para prender muita gente graúda.
Disse isso ao explicar, em entrevista à apresentadora Luciana Gimenez, sobre ameaças que havia recebido (vídeo disponível no YouTube).
Alborghetti morreu precocemente em 2009 sem ver consumada sua previsão, ou pura intuição, mas os registros da exaltação a seu ídolo do judiciário, ao qual se referia como “reserva moral” permanecem à disposição de quem deseja conferir a sabedoria de um notório comunicador considerado maluco.
Em sua maluques, Alborghetti confirmou a sabedoria popular de que apenas as crianças e os loucos é que dizem a verdade, mas que às primeiras se educam e aos segundos se internam ou os ignoram.
A saída ruidosa de Sérgio Moro do cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro reforçam a tese de Alborghetti de que se trata de um homem diferenciado, uma figura ímpar de absurda retidão de caráter, um bastião da Justiça, guardião da verdade e de coragem que chega a flertar com a inconsequência em nossa sociedade ancorada na hipocrisia.
Ofendido, insultado e achincalhado por grande parte de falsos intelectuais cooptados, de jornalistas corrompidos, da imprensa comprada e dos apaixonados pelos larápios que fizeram história como falsas lideranças populares e, que, do poder aterrissaram na prisão graças às decisões inéditas de um juiz de primeira instância a figurões da república, Moro acreditou que os votos de repúdio a seus detratores presidiários conferiam legitimidade ao novo líder que em muito se parece com Alborghetti pela espontaneidade encantadora para muitos e enojante para outros tantos.
Idolatrado pela grande maioria que defenestrou a organização criminosa montada para assaltar o erário, tornou-se o fiador de um governo cujo discurso arrebatou corações e mentes com desejos de vingança ou de justiça. Tornou-se o superministro de poderes muito aquém de suas decisões judiciais monocráticas criticadas, mas cortantes e incontestáveis, além de sempre corroboradas.
Deixou um poder para abraçar outro, do Judiciário para o Executivo, da carreira sólida e estável para as incertezas e desatinos da política que transforma falsários em mitos e heróis em bandidos, muito na ânsia de corrigir com mais força os muitos descaminhos que sua envergadura moral inabalável sempre soube identificar e punir.
O poder de sua sabedoria jurídica incontestável e raramente reparada nas muitas embasadas decisões sábias foi permutado pelo poder da negociação política, do convencimento, do arranjo, da persuasão e da barganha para implementação de uma agenda sempre desidratada pelo meio termo, pelo mais ou menos e pelos interesses mais inconfessos que atendem a anjos e a demônios.
Como pauta de trabalho e de vida, o ex-juiz ministro não sucumbiu no primeiro embate e muito menos desistiu de suas ideias e ideais ao impor com arriscada frequência sua força impessoal acima dos interesses pessoais e mesquinhos que permeiam as decisões dos eleitos e seus coniventes asseclas bajuladores.
Como esteio do grande sonho da ruptura com o pecado mais herege, baluarte da angustiante mudança esperada e sustentáculo de um projeto avalizado pela tênue verdade da vontade democrática, resistiu ao limite de um fidedigno paladino.
Fustigado e desafiado pela lógica perversa da política, mas nunca corrompido ou aliciado pelo sistema camuflado no discurso do líder de plantão ao qual deveria servir, preferiu a honradez à cooptação, não negociou seus princípios pela oferta da falsa utopia coletiva e muito menos a própria natureza pelo sonho que embalou improváveis negociadores desabilitados. Seguiu ereto e sóbrio rumo à saída pela mesma entrada que ousou experimentar com raro e autêntico idealismo.
Em poucas palavras e muitas provas, como nas argumentações e embasamentos das sentenças intocáveis que destruiu o antigo mito enganador, desmontou a farsa do novo mito dado a ditador e assegurou a condição de terceiro mito avassalador.
Destemido e inimigo da dissimulação e da enganosa aparência que permeia atos e traços de políticos, enfrentou os demônios que o espicaçaram inutilmente. Discrepante dos mitos políticos que demoliu, Sérgio Moro é ponto fora da curva no gigantismo da mentira, da impostura, das fraudes e dos embustes recorrentes que servem apenas para conquistar paixões e votos de milhões de incautos eleitores a cada quatro anos.
O autor é jornalista e mantém o Blog do Cláudio Pissolito no site jornaldacomarca.com.br