O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo esteve em Palmital e encontrou irregularidades. Alegria na oposição e gelo na espinha da situação.
O que teria ocorrido?
Qual o valor do desvio?
Será que dá inelegibilidade?
Quem sabe até cassação?
Ao menos assunto para as redes sociais.
Publicações em grandes sites e até na TV mostram que o caso é grave, mas a imprensa local não vai publicar e se indispor com o poder. É preciso espalhar, contar para todo mundo.
O próprio Tribunal, agora mais comunicativo e popularizado, produz um vídeo mostrando as barbaridades acontecidas em inúmeras cidades, incluindo Palmital, é claro.
É preciso repassar a todos os grupos, mandar sentar o dedo sem dó. O escândalo é o sonho dos contrários e o pesadelo dos correligionários que se engalfinham na eterna batalha de elogiar ou criticar, passar pano ou detonar, festar ou ficar em casa, achar tudo muito bonito ou detestar até a foto.
“Finalmente começa aparecer a verdade, o tempo é o dono da razão, a mentira tem pernas curtas, as máscaras estão caindo, quero ver como vão explicar, qual a desculpa desta vez”.
A maldosa felicidade incontida dos contrários paira no ar com sensação de vingança, de troco, de desforra das mágoas nunca passadas. Do outro lado, a disfarçada preocupação ameniza tudo com aquele sorriso meio nervoso, com explicações coerentes para os amigos e sem sentido para os inimigos. “Bobagem, isso não dá nada, é fake, não passa de ressentimento”.
A confusão começa a ser decodificada, a trama perde força, o enredo enfraquece, a intriga dura pouco, mas sempre deixa dúvida a quem sempre duvidou e certeza a quem sempre acreditou. O absurdo divulgado e explorado com doses de sensacionalismo midiático e maledicência boateira é fato corriqueiro para nossos usos e costumes, em nossa cultura rural, em nosso meio caipira.
Afinal, tudo se resume a uma bela vaca leiteira e dois lindos cavalos pastando placidamente às margens da lagoa de esgoto toda azul e que reflete raios de sol e nuvens brancas na bela manhã iluminada. Só com os olhos fora d’água, um jacaré preguiçoso que, imóvel, toma seu banho matinal de vitamina D. Cena mais comum e bucólica, impossível.
A vaquinha e os cavalos têm dono. Ela produz leite orgânico de elevada qualidade e eles servem como meio de locomoção sustentável, ecologicamente correto. O bovino ruminante leiteiro e os equinos galopantes também aparam o gramado público gratuitamente e ainda fazem a adubação natural, sem produtos químicos.
Mas, para que serve o jacaré?
O que ele faz ali?
O que ele come?
Como ele vive?
Como entrou?
Como vai sair?
O lagartão é o mistério do enredo, o personagem central da trama turbinada com boa dose de escândalo. Só ele pode alongar a confusão estimulada com fervor.
As perguntas não calam.
Qual será o desfecho do caso inusitado; da vergonha municipal; do absurdo cometido; da ausência de probidade; do favorecimento aos bichos particulares em espaços públicos?
O que o zeloso Tribunal pode apontar? Qual será a pena sugerida? E o destino dos envolvidos? Como os bichos serão citados no parecer final do relator?
O que se sabe é que os quadrúpedes têm dono, basta abrir o colchete de arame farpado para que saiam mansamente com destino ao novo pasto sempre incerto que lhes é reservado. Mas, quanto ao jacaré, sem dono, sem documento, réptil sagrado, de propriedade da natureza, que por sua vez é de Deus?
Qual o encaminhamento sugerido pelo Tribunal, qual a lei que se aplica pela presença irregular do espécime carnívoro da família Alligatoridae? Será que o indivíduo predador ectotérmico, de pele seca recoberta de escamas córneas sobre placas dérmicas e excretor de ácido úrico recomendado para o viço das plantas, deve ser considerado para acusação de mau uso de recursos públicos? Será um poluidor da lagoa de esgoto? Ou apenas escolheu essa moradia para viver paz desfrutando das águas límpidas e bem oxigenadas que são devolvidas ao ambiente?
Só mesmo a autoridade, a sagacidade, a sapiência, o saber e a genialidade do Tribunal de Contas, caçador de jacaré e de problemas, para responder a indagações tão pertinentes.