Porandubas Políticas – nº 5.812 – Gaudêncio Torquato

Abro a coluna de hoje com a mineirice…

Mata o bicho

A referência é o monsenhor Aristides Rocha, mineirinho astuto, que fazia política no velho PSD e odiava udenistas. Ainda jovem, monsenhor foi celebrar missa em uma paróquia onde o sacristão apreciava uma boa aguardente. Um dia, o sacristão, seguindo o ritual, sobe o degrau do altar com a pequena bandeja e as garrafinhas de vinho e água, e não vê uma barata circulando entre as peças do altar. Monsenhor interrompe o seu latim e, de olho na bandeja, diz baixinho ao sacristão:

– Mata o bicho…

O sacristão não entende a ordem. Atônito, fica olhando para o jovem padre, que repete a ordem, agora com mais energia:

– Mata o bicho, sô!

Ordem dada, ordem executada. O sacristão não se faz de rogado. Diante dos fiéis que lotam a capela, ele pega a garrafinha e, num gole só, sorve todo o vinho da santa missa. No interior de Minas, “matar o bicho” é dar uma boa bebericada.

(Do livro de Zé Abelha, A Mineirice.)

  • Parte I

O lamento de Bolívar

Nunca o lamento do grande libertador Simon Bolívar, expresso há mais de dois séculos, esteve tão atual: “não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações. Os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento“. Tomando ao pé da letra o pensamento e procurando aplicá-lo ao caso brasileiro, deparamo-nos com uma situação bastante similar à descrita pelo timoneiro. A vida nacional está se tornando um tormento e parcela desse sofrimento tem muita coisa a ver com a desordem que nos cerca.

Na Venezuela

Pano de fundo: a Venezuela, onde Bolívar foi o grande timoneiro. O comandante Hugo Chávez agarrou o simbolismo do ideário libertário para instalar sua ditadura. O ditador que o substituiu, o parrudo Nicolás Maduro, marca eleições na data de aniversário de Chávez, para se perpetuar no assento do poder. Às favas com os valores democráticos. A líder da oposição, Marina Corina Machado, que fique choramingando e pedindo um “adjutório” a…quem? Ao presidente Luiz Inácio, que é um bastião de defesa de Maduro.

No Brasil

Volto ao Brasil. Por aqui, padecemos de um estado de anomia que começa com a falta de boa-fé entre os homens. Basta verificar a política de emboscadas que inspira o relacionamento entre partidos políticos e o balcão de trocas do Palácio do Planalto. As dissensões se acentuam a cada dia. O governo entra no despenhadeiro da má avaliação pela comunidade. Lula cobra resultados. E o Bolsa-Família? E o Minha Casa, minha Vida? E a Farmácia Popular? E ao acesso ao crédito? Vamos fazer uma comunicação de resultados. Outro pano de fundo: ontem, os soldados do “Centrão” cobravam nacos de poder. Hoje, não conformados, querem mais.

A Carta de 88

A Constituição brasileira, a chamada Constituição Cidadã, é um livro cheio de detalhes. Quando foi produzida, refletia o caldeirão de pressões da sociedade. Por ser uma Carta muito descritiva, propicia polêmica em demasia e abre espaços para uma infinidade de litígios. Hoje, é criticada pelo fato de muitos de seus artigos e incisos não serem obedecidos. E uma lei maior que deixa de ser cumprida acaba plasmando uma cultura de perniciosidade, impunidade e desorganização. Dessa forma, os tratados constitucionais perdem razoável parcela de força, transformando-se em letra morta.

As eleições são batalhas

Participaremos, queiramos ou não, de mais uma batalha este ano. As eleições municipais se avizinham. Já estão no ar os sinais de batalha acirrada, onde não faltarão impropérios, denúncias contra adversários, calúnia e difamação, a compra de votos, a cooptação pelo empreguismo e pela distribuição de benesses. A política, como exercício democrático da defesa de um ideário social, como missão para salvaguarda dos interesses coletivos, está cada vez mais assemelhada ao empreendimento negocial, voltado para o enriquecimento de indivíduos e grupos.

A liberdade é baderna

O conceito de liberdade veste-se com o manto de baderna gerada pela liberalidade extrema, tocada pela improvisação, pela irresponsabilidade, pela invasão dos espaços privados, fatos cobertos pela mídia. Quando o escopo libertário foi esculpido, no bojo da Revolução Francesa, carregava consigo o eixo da promoção dos valores do homem, da defesa dos direitos individuais e sociais, da dignidade e da Cidadania. O inimigo que se combatia era o Estado opressor, o absolutismo monárquico e a escravização que fazia do ser humano.

O altar conspurcado

Erigiu-se o altar das liberdades que, ao longo da história, tem sido conspurcado por outras formas de vilania e torpeza. Na modernidade, a opressão econômica, a subordinação dos valores e princípios espirituais ao prazer das coisas materiais; a miséria absoluta que maltrata parcelas significativas da sociedade; a desigualdade de classes e o descompromisso de representantes do povo para com os destinos da coletividade, entre outros elementos, contribuem para corroer o sentido da liberdade e da dignidade do homem.

A banalização da violência

A banalização da violência. A morte de 40 pessoas pela ação da polícia, no Guarujá, São Paulo, tem sido motivo de festejo pelos governantes. (“bandido bom é bandido morto“). A banalização enfeita os velórios. Mata-se gente de todas as idades, em qualquer região do país. Joga-se a lei no lixo. Onde estão os parâmetros reguladores que definem responsabilidades nas instâncias públicas? A frustração das classes médias em constatar rebaixamento em seu nível de vida desfaz o formato da pirâmide social. O enriquecimento escandaloso de grupos que se incrustam na administração pública – nos níveis Federal, estadual e municipal – é um fato. A corrupção continua escancarada.

Império da anarquia

Enfim, a política tem sido incapaz de promover mudanças profundas no tecido institucional. A impunidade campeia. Mais de 500 são presos depois da “saidinha” das prisões. Mais de 600 integrantes das Forças Policiais não conseguiram, até o momento, recapturar dois presos fugitivos de uma cadeia de (in)segurança máxima. O sentimento geral é de que a vida do país é um império de anarquia e esculhambação. Mais que um lamento, Simon Bolívar fez uma profecia. Acertou mais que Nostradamus.

  • Parte II

Raspando o tacho…

– Aflito com as taxas em descenso sobre a avaliação positiva do governo, Lula pede mais empenho de seus ministros. Não percebeu que uma fonte da percepção sobre a administração Federal é sua própria índole.

– Lula dá a impressão de que gosta de governar com o fígado. Dona Janja trabalha para diminuir arestas. Tem jeito. Trabalhe, primeira-dama, com as redes sociais.

– Os dois melhores ministros do governo são, disparadamente, Geraldo Alckmin, da Indústria, Comércio e Serviços, e Fernando Haddad, da Fazenda.

– Rui Costa não tem perfil condizente com uma “coordenação” de ministérios. A Casa Civil não cai bem em seu figurino. Parece um ser mal-humorado.

– O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, sabe dosar as atividades de uma autoridade que zela pelo cumprimento de suas funções com as rotinas de um cidadão de intensa vida social. Louvável.

– A ministra da Saúde, Nísia Trindade, é uma técnica, que parece não gostar da articulação política. Sei não. Acabará tendo perfil massacrado.

– A TV Cultura inaugura grade programática de qualidade e beleza. A conferir, senhoras e senhores telespectadores. É comandada por um Conselho Curador, em cuja frente está o ponderado e bem articulado Fábio Magalhães, um afamado perfil do universo cultural. E tem no dia a dia da execução, um presidente executivo, José Roberto Maluf, que “entende do riscado”. Viva!

– Um fato: a seleção brasileira está perdendo muitos vivas da sociedade. Está sob escanteio. E levando muitos pênaltis.

– O PSB terá alguns candidatos contra o PT nas eleições de outubro. O governo dividido. Democracia.

– Bolsonaro não deve lamentar, caso seja preso. A condição de vitimado lhe convém.

– Lula erra quando chama, toda hora, Bolsonaro para subir ao ringue. Mais recente demonstração foi dizer que o ex-presidente é um “covardão” ao não ter coragem para dar o golpe. Seria isso a prova de precisar tomar epocler para o fígado?

– A comunicação do governo Lula é um laboratório de mensagens que não entram na cuca dos receptores. Ou de quem deveriam ser receptores.

– Tarcísio de Freitas continua na ponta da escala como primeiro “herdeiro” do legado bolsonarista.

Fecho com a baianidade na política .

O frio aperto de mão

O deputado baiano mandou cartão de Natal para uma mulher que morrera há muito tempo. A família, irritada, retribuiu:

Prezado amigo, embora jamais o tenha conhecido durante os meus 78 anos de vida terrena, daqui de além-túmulo, onde me encontro, agradeço o seu gentil cartão de boas-festas, esperando encontrá-lo muito em breve nestes páramos celestiais para um frio aperto de mão. Purgatório, Natal de 2005.

O deputado recebeu a resposta. E espera, angustiado e insone, pelo aperto de mão.

Candidatos, cuidado com os cartões lembrando as urnas…

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Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.

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A coluna Porandubas Políticas, integrante do site Migalhas (www.migalhas.com.br), é assinada pelo respeitado jornalista Gaudêncio Torquato, e atualizada semanalmente com as mais exclusivas informações do cenário político nacional.

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