Porandubas Políticas – nº 5.817 – Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com o mel de Frei Damião.

Fausto Campos sempre passava pela BR-232, entre Serra Talhada e Custódia, em Pernambuco. Na beira da estrada, vendedores ofereciam o melhor mel do mundo, o mais puro. Um dia, resolveu levar uma garrafa. Perguntou: “o mel é puro“? O vendedor: “o mais puro do mundo“. Fausto arrematou: “pois vou levar esse mel para o Frei Damião“. O vendedor apressou-se a esclarecer: “doutor, é melhor não levar esse pote. Quem tirou esse mel foi meu irmão e ele gosta de juntar um pouco d’água no mel para render mais. Desculpe. Na próxima vez, o senhor vai levar um mel 100% puro. Agora, só se o senhor quiser levar esse pro senhor. Mas pro Frei Damião, de jeito nenhum“.

(Historinha enviada por Delmiro Campos, filho de Fausto).

  • Parte I

Conceitos e valores em tempos eleitorais

Em tempos eleitorais, a classe política costuma usar colírio para tentar enxergar o movimento das ruas. Coisa corriqueira diante dos índices que colocam políticos nos últimos degraus da credibilidade pública. Não resta outra coisa aos representantes do povo, neste momento, que fazer uma imersão no terreno da ética e reler o manual que discorre sobre os valores do eleitorado. A análise sobre as razões que jogam políticos no fundo do poço da descrença poderá se transformar na chave para reabrir a porta do tempo perdido. Eis alguns conceitos que podem resgatar a credibilidade.

Promessas

Atenção, pré-candidatos. Não se deve prometer o que não se poderá cumprir. O eleitor exige sinceridade. Os espaços das alegorias, das coisas mirabolantes, dos planos fantásticos não conquistam mais a cachola das massas. Qualquer tentativa de recuperar esse terreno com promessas do “eu faço, eu farei” trará dissabores.

Identidade

Um político deve manter firme sua identidade, personalidade, eixo. Uma coluna vertebral torta gera desconfiança. A imagem que o político deve projetar não poderá ser muito diferente de seu conceito, de sua verdade. Quando isso ocorre, a percepção da opinião pública esmaece a figura do representante. Coluna vertebral reta incorpora as costelas da lealdade, da coerência, da sinceridade, da honestidade pessoal e do senso do dever.

Representação

Representar o povo significa escolher as melhores alternativas para seu bem-estar. A expressão focada exclusivamente pela intenção de adoçar as dores das periferias angustiadas não se sustenta. Cairá no vazio. Um político sério se preocupa com rumos permanentes e medidas condizentes com as possibilidades das administrações (Federal, estadual e municipal).

Sapiência

Sapiência é um valor respeitado, que não significa vivacidade. E sim, sabedoria, mistura de aprendizagem, compromisso, equilíbrio, administração de conflitos, busca de conhecimentos, capacidade de convivência e respeito ao eleitor. A vivacidade é a cara feia do fisiologismo, tumor que até o povo simples começa a lancetar.

Cheiro das ruas

O cheiro do povo impregna as ruas, os transportes, o comércio, os escritórios, as fábricas, o campo. O povo sabe distinguir aqueles que estão ao seu lado. O ar de Brasília costuma atrapalhar o político de forma a afastá-lo das vielas escuras das metrópoles e dos fundões do país.

Esconderijos

Não dá mais para alguém se esconder. A corrupção não acabará. E quem for descoberto em tramoias será condenado pelas urnas. Atente-se para o fato de que as denúncias sobre negociatas e trocas de favores ilícitos constituem o prato da mídia. Urge se afastar do cardápio indigesto. A qualquer hora, o mundo ficará sabendo.

Discurso

O discurso que vinga é aquele que contém propostas concretas, viáveis, simples e com metas temporais. Sua adaptação ao momento é fundamental. A população dispõe, hoje, de entidades que a representam em diversos foros. Algumas delas possuem atuação política tão densa quanto o Congresso. Resta ao político se apoiar no universo das organizações não governamentais, que está a um palmo de seu nariz.

Simplicidade

Um homem público não precisa se vestir com a roupa de Deus. A honraria que os cargos conferem é passageira. Mandatos pertencem ao povo. Ser simples não é posar com crianças no colo, comer cachorro-quente na esquina ou gesticular para famílias nas calçadas. A simplicidade é o ato de pensar, dizer e agir com naturalidade. Sem artimanhas e maquiagens. O marketing de hoje se inspira na verdade. Ou, na pior das hipóteses, na versão mais verdadeira.

Estado e Nação

O político pode até lutar por um Estado diferente da Nação que o povo aspira. A Nação é a Pátria, que acolhe, confere orgulho ao cidadão. É o território onde as pessoas se sentem bem, gostam de viver, conviver e constituir um lar. O Estado é a entidade técnico-jurídico-institucional, comprimida por interesses e dividida por conflito, que pessoas de diversas classes estão sempre a criticar. Aproximar o Estado da Nação constitui a missão basilar da política. Esse é um compromisso cívico inegociável. O Brasil de novos horizontes passa por esses contornos.

Os espaços da razão

A razão, como mecanismo para a tomada de decisões, está ampliando consideravelmente seus espaços junto aos segmentos sociais, inclusive nos setores populares, tradicionalmente conhecidos por agir intensamente sob o impacto das emoções. Os comportamentos mais racionais estão relacionados à modernidade, que aponta para o reordenamento na escala de valores, princípios e visões dos grupamentos sociais. Velhos discursos estão saturados. Respira-se um ar de mudanças significativas nos campos geopolítico e econômico. Aqui e alhures.

A cultura racional

Os alicerces da cultura racional desses tempos de grandes avanços tecnológicos são, entre outros: o desmoronamento dos eixos que formaram, por décadas a fio, o pensamento de parte significativa da humanidade; a debacle do edifício socialista, com sua fechada visão sobre a luta de classes; a integração geoeconômica entre países e blocos; e a homogeneização sócio-cultural dos povos, em função dos inputs fornecidos pelo aparato tecnológico da mídia massiva.

Cidadania

As bases dessa cultura se apoiam em mudanças ocorridas no campo individual. A pessoa, escondida no anonimato na massa, descobre que pode se transformar em cidadã. A cidadania deixa de ser o discurso demagógico das instituições políticas e ingressa nos repertórios mentais do indivíduo, passando a ser fator de conquista e meta desejada. Essa descoberta se imbrica com a “consciência do EU”, uma antinomia ao conceito do “NÓS coletivo”, esteira da propaganda política e eixo da mistificação das massas.

Autogestão

A maior autonomia individual fortalece o desenvolvimento de uma postura que pode ser definida como a de autogestão técnica, pela qual os indivíduos passam a traçar seus rumos e a selecionar os meios, recursos e formas para atingir seu intento. Rejeitam ou aceitam, com muitas restrições, as pressões autoritárias de um sistema de poder normativo, que geralmente vem de cima. Equivale a dizer que fogem dos “currais” psicológicos que enclausuram pensamentos e amedrontam espíritos. Seu conceito de legitimidade está embasado pela apropriação do heterogêneo, do inesperado e das diferenças.

A rebeldia das formas

O campo social se reparte em um mosaico de multiplicidades e particularismos, abrindo-se o universo do discurso para a rebeldia das formas e rejeição a tudo que se assemelhe a totalizações. O desejo de posse e de status configura o quadro de decisões e os espaços privados são muito bem delineados, afastando-se dos espaços públicos. No campo moral, a aceitação universal de princípios sofre impactos, ampliando-se os espaços da espontaneidade, da criatividade e da individualidade.

Transparência

A transparência, a agilidade nos processos decisórios; as exigências sociais pela conservação do meio ambiente; a cobrança rigorosa aos representantes da sociedade nos parlamentos; as críticas contra a ineficiência das estruturas da administração pública; as mudanças e as novas interpretações para os dogmas religiosos; a derrocada de muitos mitos e a busca incessante da verdade contribuem para elaborar a moldura da racionalização dos processos e comportamentos humanos.

  • Parte II

Raspando o tacho

– O flagrante de Jair Bolsonaro na embaixada da Hungria, onde passou dois dias, logo após entregar o passaporte às autoridades, por determinação da Justiça, revela o temor do ex-presidente de ser preso. E se não for isso, o que significa? Jair teme ou sugere prisão?

– Quem mandou matar Marielle Franco? Com a revelação dos autores intelectuais do crime (os irmãos Brazão?), o caso está encerrado? Não. Urge puxar o fio do novelo e descobrir quem mandou matar outros figurantes da paisagem política.

– Lula começa a perceber que o pleito de outubro exigirá de seu governo fenomenal desempenho para formar boa bancada de prefeitos e gorda baciada de vereadores, o alicerce das eleições de 2026.

– O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, parece estar sem um tempinho para aparar a vasta cabeleira. Mostra gosto para dar entrevistas e muito pouco para ceifar os tufos de cabelos brancos.

– Um ex-delegado da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, atuando como suporte de planejamento no assassinato de Marielle, é o cúmulo do desmando no seio de “nossa” (nossa?) polícia.

– O Brasil dividido faz o gosto de Jair, que espera ser vitimizado com eventual prisão. O brasileiro costuma se posicionar ao lado das vítimas.

– As Forças Armadas sonham com um amanhã venturoso, de respeito ao seu ideário, totalmente afastadas do emaranhado político que enlameia sua identidade.

– O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, puxa o trabalhismo para trás. Defende ideias retrógradas.

– O ministro Haddad é o coringa do PT. Pode ser a melhor alternativa do partido nos horizontes do amanhã.

– Quem sabe declinar os nomes dos ministros do governo Lula III?

– Guilherme Boulos começa a perder pontos na corrida eleitoral da maior metrópole do país.

– O Instituto Paraná Pesquisas assume a posição de entidade de pesquisa com a maior abrangência nacional.

Idôneo, o comandante

Em certa cidade fluminense, o chefe local era um monumento de ignorância. A política era feita de batalhas diárias. Um dia, o chefe político recebeu um telegrama de Feliciano Sodré, que presidia o Estado:

– Conforme seu pedido, segue força comandada por oficial idôneo.

O coronelão relaxou e gritou para a plateia:

– Agora, sim, quero ver a oposição não pagar imposto: a força que eu pedi vem aí. E quem vem com ela é o comandante Idôneo.

(Historinha contada por Leonardo Mota, em seu livro Sertão Alegre)

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Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.

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A coluna Porandubas Políticas, integrante do site Migalhas (www.migalhas.com.br), é assinada pelo respeitado jornalista Gaudêncio Torquato, e atualizada semanalmente com as mais exclusivas informações do cenário político nacional.

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