Porandubas Políticas – nº 5.884 – Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com a sensação de que o planeta roda velozmente e a gente estancou de repente…Chico, em Paris, deve estar sentindo isso…

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

I Parte

Na primeira parte, volto a comentar sobre a índole do eleitor brasileiro, um ente cheio de incertezas.

O eleitor duvidoso

Quem é o eleitor brasileiro? Esta pergunta, que é objeto central de interesse das campanhas eleitorais, merece uma reflexão diferente da que fazem os pesquisadores, que concentram sua atenção sobre aspectos de sexo, idade, renda e classe social. A melhor resposta pode ser dada pela leitura de alguns ensaios clássicos de antropologia e sociologia, entre os quais os produzidos por Darcy Ribeiro, em O Povo Brasileiro, J.O. de Meira Penna, em seu vigoroso Em Berço Esplêndido ou Roberto DaMatta, em Carnavais, Malandros e Heróis e O que faz o Brasil, Brasil?, para citar apenas três contemporâneos analistas da alma brasileira.

Mais emoção, menos razão

Um corte diagonal sobre o caráter nacional pode ser a pista para se desvendar os traços psicológicos do brasileiro que tomará a decisão de eleger cerca de 5570 prefeitos e um contingente de 58 mil vereadores em 6 de outubro próximo. Antes, há de se fazer a ressalva de que milhares de eleitores estarão fora do traçado sociopsicológico aqui descrito, porque incorporam heranças culturais de outros povos. A racionalidade dominante na cultura anglo-saxã, por exemplo, contrapõe-se à emotividade e ao arcabouço criativo-festivo que influencia comportamentos, ações e decisões do homem dos Trópicos.

Driblando a pergunta

A tipologia humana essencialmente brasileira se rege por um alfabeto nítido que começa com a parte mais visível, que é a cor da pele. Os morenos e os pardos, que carregam a mistura do sangue do branco colonizador, do negro e do indígena, são a própria expressão da cultura do mais ou menos que sua pele exibe. “Quantas horas trabalha por semana? Mais ou menos 40 horas. É religioso? Sou católico, mas não praticante. Ou, ainda: sou ateu, graças a Deus”. Ora, a tendência de querer ficar no meio termo ainda é reforçada pela condição de contemporizador, que transparece nas frequentes locuções “deixar estar para ver como fica”, “deixa pra lá”, “fulano, empurra com a barriga”. Não por acaso, é assim empurrando que o presidente Lula costuma driblar muitas perguntas. A reforma tributária vem sendo empurrada com a barriga anos e anos.

Mudança de voto

Também não por acaso, milhões de eleitores ainda não escolheram seu candidato a prefeito, muito menos a vereador, o que farão nas últimas semanas antes do pleito de outubro. Há quem vá ao encontro das urnas sem candidatos a tiracolo. A indicação de mudança de voto recebe um alto índice de intenção, reforçando os traços de incerteza e dubiedade que caracterizam o perfil do eleitor, fruto, aliás, dos elementos de improvisação que se fazem presentes no caráter nacional. Há nisso alguma indicação de displicência? Sem dúvida e este é outro matiz do nosso perfil.

Protelação

As decisões, que identificam uma forte cultura de protelação, são deixadas para a última hora na esteira de um comportamento que se identifica com um misto de lerdeza e negligência, despreocupação e negação de critérios de prioridade. Quem não tem na ponta da língua exemplos de obras mal construídas, trabalhos malfeitos, acabamentos defeituosos, sujeiras nos lugares públicos?

Imediatismo

O brasileiro é imediatista. Tem prazer pelas coisas que lhe trazem conforto ou benefício imediato. Daí não se interessar pela macro-política, a política dos grandes projetos, das grandes obras que gerarão efeitos benéficos no longo prazo. Mas é exigente em relação às coisas de seu cotidiano: a escola perto da casa, o transporte fácil, a segurança na rua, a comida barata, o emprego perto de casa. Sob tal aspecto, os candidatos terão de contemplar esses contingentes eleitorais – que constituem a grande maioria – com propostas de fácil compreensão e alto impacto para o bolso.

Simpatia/antipatia

A incerteza, traço cultural do caráter nacional, é visível nas mudanças de voto que o eleitor é capaz de fazer até o momento de chegar à urna. Argumentos fortes acabam derrubando convicções não estruturadas. Percebe-se que frequentemente o eleitor se motiva pela simpatia e empatia que o candidato irradia. Trata-se, assim, de cooptação passível de verificação. Nesse sentido, as pesquisas de intenção de voto aferem muito mais a visibilidade do candidato do que a efetiva decisão de voto. É como se o eleitor dissesse: eu vi o candidato, está bem na televisão, fala bem etc.

Improvisar

Deus carimbou alguns povos com tintas muito acentuadas. Diz-se que aos gregos concedeu o amor à ciência; aos povos asiáticos, o espírito combativo; aos egípcios e fenícios (sendo estes últimos os atuais libaneses), imprimiu a marca do amor ao dinheiro. Aos brasileiros, Deus deu a capacidade de improvisar mais que outras gentes. Não é de todo arriscada a inferência de que, no pleito de outubro, o eleitor usará muito a habilidade para improvisar, mudando de candidato até se fixar naquele que melhor proposta fizer para seu conforto.

Infidelidade

Diz-se que os franceses amam a liberdade, como a amante, a quem se ligam apaixonadamente ou de quem se separam depois de uma violenta briga; que os ingleses amam a liberdade como a uma esposa fiel, em quem confiam e com quem mantém uma sólida relação, mesmo sem volúpia e atração; e que os alemães amam a liberdade como a uma abençoada avó, para a qual reservam o melhor cantinho perto da lareira, onde costumam esquecê-la. Já os brasileiros amam a liberdade como amam as muitas namoradas que costumam dispor, no vigor dos 18 anos, quando dedicam a cada uma o espaço de uma noite por semana. A infidelidade do eleitor tem a ver com a incultura política que semeia florestas de desinteresse pelos espaços nacionais.

II Parte

Raspando o tacho

– Lula diz que há uma conspiração contra nossa moeda. E ataca especuladores. Mas as seguidas falas do presidente contra o “mercado” ajudam a “conspiração”.

– O vaivém das pesquisas em São Paulo, capital, traz nuvens plúmbeas, deixando opaco o quadro do vencedor. Decisão a ser tomada pelo senhor eleitor nas bordas do pleito.

– O Rio Grande do Sul continua castigado por enchentes.

– O Pantanal continua castigado por incêndios. O Brasil dos contrastes.

– Os incêndios florestais, provocados pela mão humana, batem recorde no país.

– Chico Buarque, aos 80 anos, mostra-se disposto a continuar nos palcos.

– Gilberto Gil, também aos 80 anos, fala em encerrar a carreira após giro internacional com a última performance.

– O mundo gira e a Lusitana roda. Dito de uma transportadora paulista em tempos idos.

– Muita gente prometendo ir a Paris por ocasião das olimpíadas.

– A democracia parece entrar em recesso nesses dias de truculência do radicalismo político.

– Jean Paul Prates, ex-presidente da Petrobras, sinaliza insatisfação com o PT, ameaça deixar o partido, e habilitar uma candidatura ao governo do RN em 2026.

– Tenho visto muitos filmes nas telinhas da TV e nas telonas dos cinemas. Expressão mais presente nas cenas: tudo vai dar certo. Calma, vai dar tudo certo. Sugiro atentar por este sinal de esperança.

– Donald Trump chega mais perto de uma vitória ante o desastre que foi a performance de Joe Biden no debate promovido pela CNN.

– Marine Le Pen olhando os horizontes à espera da extrema direita na mesa do poder na França. O mundo gira….

– Roda mundo, roda-gigante- roda-moinho, roda pião- o tempo rodou num instante- nas voltas do meu coração.

– Quiçá eu esteja errado. Sob o credo de Chico Buarque.

Quiçá e cuíca

Benedito Valadares, governador de MG, foi a Uberaba para abrir a Expozebu. E passou a ler o discurso preparado pela assessoria. A certa altura, mandou ver: “cuíca daqui saia o melhor gado do Brasil“. Ali estava escrito: “quiçá daqui saia o melhor gado“. A imprensa caiu de gozação. Passou-se o tempo. Tempos depois, em um baile na Pampulha, o maestro, lembrando-se do famoso discurso na terra do zebu, começou a apresentar ao governador os instrumentos da orquestra. Até chegar na fatídica cuíca. E assim falou: “e esta, senhor governador, é a célebre cuíca”. Ao que Benedito, querendo dar o troco, redarguiu com inteira convicção:

Não caio mais nessa não. Isto é quiçá!

(Historinha enviada por J. Geraldo).

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Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.

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A coluna Porandubas Políticas, integrante do site Migalhas (www.migalhas.com.br), é assinada pelo respeitado jornalista Gaudêncio Torquato, e atualizada semanalmente com as mais exclusivas informações do cenário político nacional.

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