Em seis meses de investigações do caso, Marco Aurélio Cotta alternou entre períodos de melhora e piora. Já Antônio Carlos de Oliveira passou quase todo o período internado e agora se recupera em casa, enfrentando perda da locomoção e da visão.
A opção que a gente tem agora é encarar que eu posso receber a notícia a qualquer momento de que ele se foi”, diz a arquiteta Ângela Cotta, filha de uma das vítimas do caso Backer, cujas investigações completam seis meses nesta quarta-feira (8). Ao todo, 29 pessoas intoxicadas por dietilenoglicol já foram identificadas pela Polícia Civil, que concluiu o inquérito há um mês.
Desde o ano passado, o pai de Ângela, Marco Aurélio Cotta, está internado em Belo Horizonte, alternando quadros de piora e melhora. Durante esse período, ele chegou a ter alta do CTI e a passar quase 40 dias no quarto. Entretanto, a evolução positiva do estado de saúde não prosseguiu. Ele teve paradas cardiorrespiratórias e, na última a semana, a família recebeu dos médicos o diagnóstico do coma irreversível.
“O exame da tomografia apresentou que o cérebro dele está todo danificado. Ele não teve uma morte cerebral, mas o cérebro dele está em um estágio que não comunica com o corpo. As funções do cérebro não estão conectadas com as funções do corpo dele”, afirma a filha.
Segundo a arquiteta, a família ainda está processando a notícia trazida pelos médicos. Com a chegada do diagnóstico, a esperança se foi.
Marco Aurélio completou 65 anos no hospital. Ângela diz que há cerca de cinco anos o pai se aposentou para estar mais próximo da família. “Logo que minha filha completou 1 ano, ele disse que ele ia agora me ajudar a cuidar dela. Ele que levava para a escola, ele que voltava com ela da escola”, conta. Hoje, essa rotina está na lembrança.
“O máximo que ele vai conseguir viver é no estado vegetativo, é o que ele está hoje”, lamenta Ângela.
‘Sofrimento da escuridão’
Até ser internado no início do ano, Antônio Carlos de Oliveira atuava como superintendente-geral de mineradora — Foto: Antônio Carlos de Oliveira/Arquivo Pessoal
Assim como Marco Aurélio, Antônio Carlos Mendes de Oliveira, outra vítima de intoxicação por dietilenoglicol, fez aniversário no hospital. O engenheiro mecânico, de 57 anos, era superintendente-geral de uma mineradora até sua vida se transformar completamente na última virada de ano. Foram 164 dias internação, e a alta médica veio no mês passado.
“O que mais me marcou foi o sofrimento. Eu, na realidade, fiquei a metade do período em CTI. Então o período no CTI, eu não lembro nada. O retorno para o quarto que foi muito difícil para mim e depois toda a sequela que eu fiquei”, lembra.
Antônio Carlos de Oliveira enfrenta problemas de locomoção e perda da visão — Foto: Antônio Carlos de Oliveira/Arquivo Pessoal
Entre os reflexos na saúde, estão problemas na locomoção, o acometimento dos rins e ainda a perda total da visão.
“Eu não consigo relatar para você o que é o sofrimento da escuridão. Mas eu estou tentando passar por cima disso, com garra, com muita vontade de voltar, mas não é fácil”, desabafa.
Há cerca de três semanas em casa, a rotina de executivo em uma grande empresa foi substituída pelo dia a dia de sessões de fisioterapia, fonoaudiologia e também de diálise, que é realizada durante a noite. Antônio Carlos, entretanto, não perde as esperanças de poder retomar suas atividades e sua carreira.
“O que eu mais sinto falta é realmente a minha vida profissional. E assim, não só a minha. A da minha esposa também praticamente foi interrompida. (…) Todo dia, tomo meu sol aqui na varanda, converso com nosso bom Deus para que ele possa retornar tudo que eu era”, diz.
Falta de auxílio
Investigações sobre caso Backer começaram há seis meses — Foto: Danilo Girundi/TV Globo
“O que eles precisam agora é de um tratamento para que as sequelas diminuam. E a Backer nunca se prontificou realmente a ajudar essas famílias”, argumenta.
No fim do mês passado, a Justiça determinou a redução do valor total de bloqueio de bens da Backer de R$ 50 milhões para R$ 5 milhões. A decisão, em caráter liminar, é do desembargador Luciano Pinto, que afirmou ter tido que julgar com celeridade, porque estava a um dia de se aposentar.
Dias depois, o advogado apresentou um recurso questionando a decisão. Segundo ele, a expectativa é que haja um posicionamento da Justiça em cerca de 30 dias. “A empresa tem tomado atitudes para desfazer do patrimônio (…) O bloqueio é essencial para que lá na frente essas pessoas recebam as indenizações e agora também para assegurar medidas urgentes”, afirma.
Ele argumenta, por exemplo, que os carros da empresa estariam alienados para bancos e que teriam ocorrido mudanças societárias e a venda de imóveis após o início das investigações.
O Ministério Público, agora responsável por dar prosseguimento às investigações e decidir se apresenta denúncia à Justiça ou não, já pediu a quebra do sigilo bancário de sócios da Backer e de empresas do grupo que eles fazem parte. O órgão quer saber se houve manobras para ocultar o patrimônio.
O pedido, no entanto, foi indeferido pela Justiça, segundo o MP, que disse ter “recebido com surpresa a decisão”, nesta terça-feira (7).
Ainda de acordo com o MP, na decisão, a Justiça afirmou que “a medida não é cabível na área criminal, já que existem medidas na esfera cível que podem ser tomadas para apurar a eventual ocultação ou dilapidação do patrimônio do grupo empresarial na ação já em curso na Vara Cível”.
Procurado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) não confirmou a informação.
O G1 questionou a cervejaria sobre essas afirmações e também sobre o auxílio às vítimas, mas a Backer respondeu apenas que “por se tratarem de decisões judiciais, a empresa não vai se manifestar”.
Frente à falta de suporte, a filha de Marco Aurélio diz que não ter expectativas em relação à empresa.
“A gente está sofrendo tanto com a situação que meu pai está, tanto, que a gente está preferindo não pensar em relação à Backer. A gente tem uma conduta que a gente não pode esperar dos outros nada. (…) Eu acredito que uma hora ou outra, a justiça divina e a justiça nossa, da Terra, vai acontecer.”, afirma.
Investigações
Após cinco meses de investigações, no início de junho, 11 pessoas ligadas à cervejaria Backer foram indiciadas pela Polícia Civil de Minas Gerais pela intoxicação por dietilenoglicol em cervejas da marca. Entre os crimes, estão lesão corporal, contaminação de produto alimentício e homicídio.
Segundo o delegado Flávio Grossi, a Polícia Civil conseguiu comprovar, física e quimicamente, a existência de um vazamento no tanque de cerveja.
Após a conclusão do inquérito, cabe ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) decidir se apresentará ou não denúncia à Justiça contra os indiciados, o que ainda não ocorreu.
De acordo com o MPMG, há dois processos em andamento, ambos sob os cuidados da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Belo Horizonte.
FONTE:G1