Promotor é denunciado por sugerir em audiência que mulher ‘aquiete o facho’ e volte com ex

Durante uma audiência presencial na Vara de Família de Vitória, o promotor de Justiça do Ministério Público do Espírito Santo Luiz Antônio de Souza Silva disse para uma mulher que requeria pensão alimentícia aos filhos “aquietar o facho” e fica o resto da vida com o ex-companheiro. O g1 teve acesso ao áudio, ouça acima. Após a fala, o promotor foi denunciado pelo pelo Programa de Pesquisa e Extensão Fordan, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) por violência institucional.

Segundo a denúncia, o áudio foi gravado na hora da audiência, e Luiz Antônio de Souza Silva constrangeu a mulher fazendo comentários sobre a quantidade de filhos que ela tem.

O crime de violência institucional trata-se de quando o agente público submete uma vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a situações que a façam reviver situações de violência ou de constrangimento sem necessidade. Os responsáveis pela prática podem ser punidos com detenção de três meses a um ano e multa.

A denúncia

A mulher de 41 anos é esteticista e tem sete filhos, sendo 5 com o ex-companheiro, que é eletricista de pedreiro. A vítima é assistida pelo Fordan desde 2014. O g1 conversou com a coordenadora do Fordan, Rosely Silva Pires. Ela disse que todos os filhos do casal são menores de idade, com idades entre 13 e 3 anos. O caso aconteceu durante audiência no dia 20 de março.

A vítima morou com o ex-marido durante 20 anos e contou que foi agredida diversas vezes e que tinha medidas protetivas contra ele. Segundo Rosely, a denúncia apontou que a mulher, que já era atendida pelo programa da Ufes desde 2014, procurou a instituição no dia 9 de maio e fez o relato sobre o que aconteceu na audiência.

Em um dos áudios utilizados na denúncia, o promotor comenta sobre o número de filhos que o casal tem.

“‘A mãe tem quantos? Tem cinco com ele’, pergunta o promotor.
‘Tenho uma mais velha, de 22 anos e um nenezinho agora’, diz a mulher
‘O mais velho é com ele é? Gente, agora eu vou falar assim, vocês com cinco filhos juntos, hein doutora? Cinco filhos juntos. Vocês deveriam aquietar o facho e ficar o resto da vida juntos, né?’ diz o promotor
‘Deus me livre, deus não deixou, o que tinha que dar já deu’, comentou a mulher.

O promotor continua a conversa e segue afirmando sobre a quantidade de filhos.

“Quem tem cinco filhos juntos deveria aquietar o facho. Tá? É isso aí, tá? Vocês….É, porque todo mundo é livre. Mas olha a consequência…os filhos depois crescem, gente. Os filhos precisam. Então precisa do ambiente mais… porque assim, a questão única não é só o dinheiro, a questão é o emocional dos filhos, é os pais estarem bem”, comentou o promotor.

Sede do Ministério Público do Espírito Santo — Foto: Lissa de Paula

Sede do Ministério Público do Espírito Santo — Foto: Lissa de Paula

Após a audiência, a mulher conseguiu a pensão alimentícia para os filhos, mas disse ao Fordan que se sentiu humilhada com as falas do promotor.

“Eu morei 20 anos com meu marido, o que passei foi ser humilhada, violentada, sofri abuso psicológico. Apesar que a gente tem que debater com ex-marido e chegar para fazer audiência, e lá virar chacota para promotor aí a gente sai de lá como lixo né? Fica humilhada mais ainda, a gente pegar dá uma denúncia, a gente vira chacota, e aí o que acontece, a gente fica calada e volta para casa”, apontou a mulher na denúncia.

Após o relato da mulher, a denúncia foi feita por meio do programa de pesquisa e extensão da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Fordan, que acolhe mulheres e famílias em vulnerabilidade.

O caso foi enviado para o Conselho Nacional de Direitos Humanos e o Conselho Nacional do Ministério Público no dia 29 de maio.

g1 tentou contato com o promotor Luiz Antônio de Souza Silva, mas não teve nenhum retorno até a última atualização desta reportagem.

g1 também procurou o Conselho Nacional de Direitos Humanos, mas não recebeu nenhuma resposta.

O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) informou que não tomou conhecimento dos fatos relatados e não teve acesso ao áudio mencionado. Disse ainda que não recebeu notificação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Já o Conselho Nacional do Ministério Público disse que não recebeu nenhuma representação referente a esse caso.

Despreparo em lidar com mulheres vítimas de violência

Conselho Nacional do Ministério Público — Foto: Sérgio Almeida/CNMP

Conselho Nacional do Ministério Público — Foto: Sérgio Almeida/CNMP

Segundo Rosely Silva Pires, o que aconteceu na audiência é um retrato de um cenário que mostra o despreparo em lidar com mulheres vítimas de violência.

“O que aconteceu é muito sério. Ela sai da audiência destratada com o promotor. Isso é uma tipificação muito detalhada que o processo de violência psicológica que as nossas mulheres pretas tem passado com essa ausência diante de autoridades que ainda não entenderam a íntegra da Lei Maria da Penha. São pessoas que precisam fazer um processo de formação humana apurada para entender que hoje não se trata mulher como se tratava antigamente. Dizer que esse procedimento hoje é criminoso”, pontuou a coordenadora.

Outro ponto levantado pela coordenadora, é o fato do promotor ressaltar a quantidade de filhos que o casal tem.

“A própria constituição vai trazer a questão do controle e planejamento familiar é direito da família. No caso da mulher, ela não pode sofrer qualquer tipo de coerção por causa dessa questão do planejamento familiar”, relatou a coordenadora.

O que é violência institucional?

Segundo o próprio Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) , a chamada “vitimização secundária” (ou violência institucional) tem especial gravidade, já que ela é causada pelos agentes públicos que deveriam proteger a vítima no curso da investigação ou do processo.

De acordo com a Lei nº 14.321/2022, violência institucional ocorre quando o agente público submete uma vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a “procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade, a situação de violência ou outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização”. Os responsáveis pela prática podem ser punidos com detenção de três meses a um ano e multa.

Por ser praticada pelos órgãos oficiais do Estado, a vitimização secundária pode trazer uma sensação de desamparo e frustração ainda maior que a vitimização primária.

Se a vítima tiver seus direitos violados ou a dignidade desrespeitada ao buscar amparo e proteção nos órgãos oficiais do Estado, esse fato precisa ser denunciado.

Aprovada em março de 2022, a norma alterou a Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), acrescentando ao texto o artigo 15-A. O dispositivo diz que a pena pode ser aumentada em 2/3 se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização. Se o próprio agente público intimidar a vítima no curso do processo ou investigação, a pena prevista na lei poderá ser aplicada em dobro.

Fonte: g1

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Cláudio Pissolito

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