Regina Navarro Lins: “Quer ter três maridos? Tudo bem, também”

A psicanalista e escritora Regina Navarro Lins é conhecida, principalmente, por debater as novas formas de amar. O que ela quer, porém, é que as pessoas reflitam se suas escolhas trazem satisfação ou sofrimento. Regina afirma que não é contra a monogamia, mas propõe que se discuta se a exigência de exclusividade sexual é fruto de uma vontade genuína. “É muito comum uma pessoa chegar à idade adulta e não saber diferenciar o que realmente deseja daquilo que aprendeu a desejar.”

Regina não está sugerindo que se crie um novo padrão de relação, com novas regras para os casais. Ao contrário: “Não é substituir um modelo pelo outro. A gente tem que jogar os modelos fora e as pessoas devem escolher como querem viver. Se alguém quiser ficar casado durante 40 anos com uma pessoa e só fazer sexo com ela, está tudo certo. Mas se quiser ter três maridos ao mesmo tempo, tudo certo, também.”

Ela concedeu uma entrevista ao Yahoo!, por uma chamada de vídeo, da casa onde mora, no Rio de Janeiro. Nessa conversa, falou, entre outros assuntos, sobre o crescente número de interessados em abrir a relação, a importância do respeito à individualidade do outro e os desafios da convivência durante o confinamento — por causa da pandemia do novo coronavírus. Regina atende em consultório há 46 anos, dá palestras pelo Brasil, está escrevendo seu 13º livro e mantém uma escola on-line sobre relacionamentos amorosos. Leia a entrevista:

Por que você decidiu criar uma escola online sobre relacionamentos amorosos?

Decidi criar a escola “Amor e Desejo” porque o amor é um sentimento, mas o comportamento amoroso precisa ser aprendido. As pessoas vivem muito mal as relações. Dou cursos sobre vários temas das relações amorosas, faço lives diárias no meu Instagram (@reginanavarrolins), respondo perguntas… É fundamental que se reflita sobre as crenças aprendidas para se livrar do preconceito e do moralismo. Imagine quantas crenças equivocadas nos ensinaram.

Quais são as dúvidas mais comuns que as pessoas têm?

Duas perguntas são as campeãs absolutas: uma é sobre o desejo de abrir a relação. “Como digo para meu marido que eu quero abrir a relação? O que eu falo para minha namorada?”. Respondo que não me ocorre nada a não ser ter uma conversa franca com a outra parte. E, se não chegarem a um acordo, é importante avaliar o preço de continuar em um relacionamento de um jeito que você não deseja.

Abrir o relacionamento ou não é uma questão relativamente nova?

Tenho consultório há 46 anos. Há cinco, comecei a receber casais com um conflito que eu nunca tinha visto: uma das partes propor a abertura da relação e a outra se desesperar — e aí o casal vem fazer terapia. E foi por isso que eu escrevi meu último livro, “Novas Formas de Amar”. É uma grande questão do momento, um comportamento muito novo. Há quem já se libertou dos padrões tradicionais de comportamento e quem ainda está agarrado ao convencional, apesar da insatisfação, pois o novo assusta, gera insegurança.

Você disse que há duas dúvidas campeãs. Qual é a segunda?

Essa sempre existiu: é sobre a ausência de desejo no casamento. E é importante assinalar que falta de tesão não significa, necessariamente, falta de amor. Às vezes, a pessoa ama alguém, não quer se separar, mas não sente mais vontade de transar. Muito mais mulheres perdem o tesão no casamento e transam sem vontade.

Há uma solução para a falta de desejo no casamento?

É essencial entender que este não é um problema desse casamento, daquele casamento. Dessa pessoa ou daquela pessoa. É um problema que sempre haverá se o casamento continuar como o conhecemos na nossa cultura: com controle, possessividade, ciúme, desrespeito total à individualidade do outro. Enquanto for assim, será muito frustrante.

Nós somos regidos pelo mito do amor romântico, calcado na idealização. O amor romântico carrega ideias mentirosas: que os dois vão se tornar um só, que um terá todas as suas necessidades atendidas pelo outro, que nada tem sentido sem o outro, que quem ama não tem tesão por mais ninguém.

Por que as pessoas estão repensando a forma como se relacionam?

O anseio contemporâneo é a busca pela individualidade. A grande viagem do ser humano é para dentro de si mesmo. Cada um quer saber suas potencialidades e possibilidades, e o amor romântico bate de frente com esses anseios, pois prega o oposto. A fusão é o oposto da busca por individualidade. Saindo de cena, o amor romântico leva com ele sua característica básica, que é a exigência de exclusividade. E por isso estão se abrindo novas formas de amar. Poliamor, relação a três, amor livre… Dentro de algumas décadas, muito menos gente vai se fechar numa relação a dois e muito mais gente vai optar por relações múltiplas.

Muitos casais que vivem um relacionamento aberto dizem que é uma hipocrisia ser monogâmico, pois a maioria das pessoas têm relações extraconjugais, só que escondem isso do parceiro. Monogâmicos são hipócritas?

Se você analisar a questão social, histórica, os homens foram condicionados a ter relações fora de casa, como algo natural. Não chegava a ser hipocrisia, pois era aceito. Depois da pílula anticoncepcional, as mulheres começaram a ter relações extraconjugais tanto quanto os homens. Acontece que existe um condicionamento muito forte pela monogamia. Agora, se uma pessoa defende a monogamia, mas tem relações extraconjugais, tudo bem, ela está sendo hipócrita. Mas a questão é que é difícil se livrar do condicionamento cultural. É algo tão forte que é muito comum uma pessoa chegar à idade adulta e não saber diferenciar o que realmente deseja daquilo que aprendeu a desejar.

Vejo que as pessoas entram nas suas redes, muitas vezes raivosas, para tentar convencer você e as demais pessoas de que a monogamia seria o jeito certo de se relacionar. Como você analisa esse comportamento?

É uma forma que a pessoa tem de querer se convencer: projetar no outro. Quanto mais gente pensar igual, mais confortável ela fica naquela posição. Mas está mudando muito. Há 30 anos, eu era muito mais atacada do que eu sou hoje. Não digo que as pessoas não podem ser monogâmicas. Pelo contrário: o que eu digo é que a gente está vivendo um momento interessante. Como os padrões de comportamento não dão respostas satisfatórias, está se abrindo um espaço para cada um escolher sua forma de viver. Não é substituir um modelo pelo outro. A gente tem que jogar os modelos fora e as pessoas devem escolher como querem viver. Se alguém quiser ficar casado durante 40 anos com uma pessoa e só fazer sexo com ela, está tudo certo. Mas se quiser ter três maridos ao mesmo tempo, tudo certo, também.

Também é comum que as pessoas falem que aves são monogâmicas ou, ao contrário, usem outras espécies animais, que não têm um comportamento monogâmico, para justificar seu ponto de vista. Faz sentido nos compararmos a animais irracionais?

Já foi provado que aves não são nada monogâmicas. E existem pouquíssimos animais monogâmicos. Outras pessoas fazem comparações dizendo que nós não somos animais, portanto deveríamos ser monogâmicos. As pessoas gostam de fazer comparações, mas eu acho que não faz sentido, não. Nós temos muitas características diferentes dos animais. A transa do ser humano para obtenção de prazer, dar e receber prazer, é bem diferente da do animal. O sexo é um aprendizado. O sexo é natural para procriação, desde que o mundo é mundo, mas para o prazer precisa de aprendizado.

Você diz que é uma mentira que, quando alguém ama, não sente desejo por outras pessoas. Mesmo admitindo que, sim, existe desejo fora da relação, você considera um erro escolher ser monogâmico? Triste, talvez?

Eu considero triste quando é uma coisa forçada, quando alguém se esforça para não perder o outro, abre mão do desejo por causa do outro. Toda vez que você abre mão de uma coisa que deseja para satisfazer alguém, esse preço será cobrado, inconscientemente, e pode ser tão alto que inviabilize a relação. A pessoa passa a ser um devedor e você um credor. Agora, se a monogamia for espontânea, que na maioria das vezes não é, não tem problema nenhum. Você pode controlar seu desejo, mas não pode fazê-lo deixar de existir, esse é o problema.

As pessoas sempre perguntam se você é casada e outras particularidades da sua vida amorosa e sexual, mas você não fala sobre sua intimidade. Por que?

Eu posso dizer o seguinte: sou casada, há 20 anos, com o Flávio Braga, e é meu terceiro casamento. Eu tenho uma filha de 45 anos, um filho de 35 e uma neta de 24. Eu e o Flávio nos damos muito bem, escrevemos cinco livros juntos. Agora, minha vida pessoal, como é, se transa ou se não transa, se é uma relação monogâmica ou não, eu não abro por uma simples razão: a minha intenção é discutir ideias, e não faz a menor diferença se eu sou casada ou não. Eu não tenho que abrir para pessoas que eu não conheço a minha vida íntima, não tenho vontade de fazer isso e não faz sentido. Eu quero contribuir para que as pessoas discutam ideias. Discordar é ótimo. Mas ideias se discordam com ideias. Eu digo, por exemplo, que fidelidade não tem a ver com sexo. Por que eu vou falar se eu transo ou não transo? O que acrescenta ao debate? Se eu não fosse casada, por exemplo, isso desqualificaria minhas ideias? É um pensamento absurdo.

O que você diria aos casais que estão em confinamento por causa do novo coronavírus?

Muitos casais trabalhavam fora, os dois ou um, e se encontravam só de noite. Agora, estão convivendo 24 horas por dia, sete dias por semana. É uma mudança muito radical. Minha sugestão é que essas pessoas comecem a perceber a importância de respeitar a individualidade. Isso é importante sempre. Em confinamento, mais do que nunca. No casamento, as pessoas acham muito natural se meter na vida do outro, dizer que a pessoa está demorando no telefone, o que deve dizer para o patrão, para o irmão, a mãe… Vamos começar a respeitar o espaço do alheio. Outro ponto, que é problemático do confinamento, é a irritação — e a tendência é jogar essa irritação na pessoa que está próxima. Tente evitar, tome um banho, vá para o quarto, morde o dedo, mas não jogue no outro. Não consigo imaginar uma relação saindo bem desse confinamento se não houver respeito à individualidade.

FONTE: topbuzz.com

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Cláudio Pissolito

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