Milhões de humanos hoje têm de fugir de suas terras porque seus semelhantes continuaram a abusar da natureza e os deixaram sem condições de continuar. Os rios secaram, as árvores desapareceram. Com elas, as chuvas. Sem petróleo pode-se viver. Sem água não.
São os “refugiados climáticos”, expressão bem utilizada hoje, mas ainda não reconhecida pela ONU, que se atém aos estritos termos da Convenção dos Refugiados. Esse documento considera refugiados apenas os que fogem de guerra, violência, conflito ou perseguição e cruzam fronteira internacional em busca de segurança.
É o preciosismo formalista a evidenciar, uma vez mais, que as coisas atropelam o direito. Este não pode deixar de representar instrumento de resolução de problemas, de redução da pesada carga de sofrimento, angústia, infortúnio que recai sobre as criaturas racionais, em plena peregrinação por um planeta cada vez mais descontrolado.
Patético dizer que “o termo refugiado climático não tem embasamento no direito internacional nem no direito doméstico dos países. O refugiado é uma categoria normativa muito importante, que surge com a convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951”, como tenta explicar Débora Castiglione, Coordenadora da unidade de Mobilidade, Meio ambiente e Mudança do Clima da OIM – Organização Internacional para as Migrações.
Só que a realidade antecede a norma. Esta corre atrás das situações concretas. Quando o formalismo atrasa a edição de um texto, dá-se um jeito. Os que são obrigados a abandonar suas regiões por causa do clima existem. O que são então? “Vítimas do clima”, “Migrantes do clima”?
Se o cenário dantesco de pessoas forçadas a procurar espaço no globo em que possam beber água, escovar os dentes, tomar banho, lavar roupa já existe – e há muitos anos – não é a burra convenção que o fará desaparecer. Existem, sim, refugiados climáticos. Estão aí e vão se multiplicar. Quem viver verá. A verdade é que, quando algo tem nome, é porque existe. O bom senso tem de pensar nesses irmãos. Socorrê-los. E fiquem os formalistas com seus formalismos estéreis e, no caso, evidentemente cruéis.
*José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo.