TRIGÉSIMA SEGUNDA  ZONA ELEITORAL

 Fui votar em um colégio na região da Paulista. A moça indicou: 32ª.Zona. No meu tempo de criança zona era palavrão.  Era a “zona do meretrício”. Ficava em um quarteirão da cidade. Fui uma criança do bem, pura como um anjo. Mas confesso que já freqüentava a zona. No bom sentido. Era office-boy de uma farmácia e ia à zona entregar remédios. Lembro-me daquelas mulheres, algumas bonitas, mas de fisionomia triste,  que me recebiam  com o maior respeito. Eram recatadas e não se exibiam para este entregador de remédios, ainda impúbere, porém curioso, pois já tinha nas veias tudo de um repórter metido. Nunca tive preconceitos para com elas. Embora prostitutas, nunca me escandalizaram. Hoje entendo porque o Evangelho tem tanta complacência para com elas.

Não se deixavam fotografar nuas e nem se despiam em público. Quem poderia julgá-las? Forçadas pelas circunstâncias viviam aquilo que se convencionava chamar de “vida fácil”, que de fácil não tinha nada. Talvez eu já trouxesse nas veias algo de repórter bisbilhoteiro. Notava que a maquiagem delas servia para esconder as mágoas e tristezas de rostos sem esperança. Fiz perguntas indiscretas. Certa vez ao entregar uma encomenda à dona da casa, meus olhos de criança fixaram-se numa imagem de Nossa Senhora ao lado de uma vela acesa em azeite sobre uma estante. Questionei porque ela acendia a vela. Explicou-me que a vela era uma promessa que fizera para que um dia alguém a tirasse daquela vida. Nunca soube o seu nome e jamais me esqueci daquele semblante. Guardei no coração aquela resposta tão sincera, tão confiante e tão honesta. É provável que Deus a tenha atendido.

            Hoje a zona ultrapassou os limites das periferias das cidades. Banalizou-se. O que as crianças não viam  nas chamadas “casas de tolerância”  hoje é permitido ver nas novelas, com permissão do governo que não fixa proibição para faixas etárias, enquanto dublês de artistas posam nuas para revistas pornográficas. Ao contrário daquelas pobres mulheres a quem eu levava remédios e que não tinham onde caírem mortas.

            Saí da minha zona eleitoral com este pensamento. Tomara que este país saia definitivamente da “zona” (entre aspas) em que vive.

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Cláudio Pissolito

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