Cláudio Pissolito
O receio da punição traz o arrependimento. O medo fortalece a fé. A tristeza faz refletir. A dor é didática. A crise incentiva a criatividade. O erro é a porta para o acerto. Assim é a crise emocional do mundo diante da pandemia do mais novo de muitos vírus.
À beira do abismo, com ameaça de doença ou de morte iminente, o tudo que se consegue é prometer um mundo melhor, novos comportamentos, convicções revisadas e atitudes modificadas. Nada por aprendizado ou sabedoria, tudo em troca da indulgência imediata.
É a reação humana padrão. Diante da bonança e da segurança plena, o motivo é de festa e alegria e também de brigas, intrigas, disputas, desunião e distanciamento. Quando chega a ameaça, a reação é proporcional em comedimento, recolhimento, perdão, entendimento, bondade e cultivo da virtude.
Somos quem somos e o que fazemos, de acordo com o que nos afeta, pois muito pouco reagimos pela convicção interna, quase sempre pela provocação externa. Quanto mais favorável, maior a arrogância, quanto mais difícil, maior a humildade. A conveniência é o guia.
Com quase todos em recolhimento voluntário, recomendado ou obrigatório, templos religiosos fechados, salões de festas lacrados, eventos cancelados, passeios proibidos, velhos ameaçados, crianças entediadas, jovens inquietos, ricos protegidos e pobres expostos, passamos a acreditar que o vírus finalmente igualou a desigualdade. Quanto autoengano.
Das moradias muito bem equipadas com tecnologia estamos mais concentrados na comunicação virtual, acirrando as diferenças, aprofundando os abismos e contando os dias, os doentes e os mortos que nunca terminam. Nas favelas nada mudou, apenas a nova preocupação do medo de nova origem, agora no absoluto desconhecido.
O alimento do corpo em domicilio é a melhor solução para quem recebe e a pior para quem entrega. O atendimento essencial de mercados e farmácias é excelente para proteger quem compra e péssimo ao expor quem vende. O transporte de produtos primordiais é mantido para garantir o abastecimento de quem possui recursos e um risco maior para quem transporta. Mas podemos contar com os hospitais habitados pelos anjos aplaudidos diariamente à beira da contaminação invisível.
Quem adere o isolamento é de esquerda, quem bem isolado desafia o vírus nas redes controladas é de direita. Quem sai às ruas para trabalhar ou se manifestar é muito necessitado ou apenas maluco sem qualquer beleza. Com vírus ou sem ele, continuamos os mesmos, com as abissais diferenças que agora, por mera conveniência, acreditamos não mais existir.
Quando isso tudo acabar nada será como antes, pois a lição é difícil e esclarecedora de nossas posições no universo da vida. Mas sem enganos, pois a lição não serve ao universo social, comercial ou do capital. Os prejuízos serão compensados, os lucros reavidos e toda recessão transformada em desenvolvimento a quem não precisa. A direita será mais truculenta com a esquerda que, por sua vez, continuará malandra e esquivante com a direita.
As redes sociais servirão para aprofundar o abismo ideológico aumentado, a distância social retratada e as diferenças jamais reduzidas, pois a promessas de agora serão sepultadas junto aos últimos corpos da pandemia enganosa. Plagiando Roberto, será tudo igual como era antes, quase nada sem se modificar, nem a você, nem a mim.
Cláudio Pissolito é jornalista
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