Nada há de mais estranho e deslumbrante às vezes do que um retorno ao passado. Uma visita à velha escola, onde aprendeu as primeiras letras. Um passeio àquele sítio bucólico, local de vários passeios, piqueniques e descobertas lúdicas. Um perambular pela praça e jardins dos primeiros amores. Enfim, um retorno ao berço, à casa gigante de sua infância e que agora lhe parece assaz pequena, assombrosa, decadente. Quem nunca viveu essa experiência do retorno, uma volta quase fantasmagórica a belos e saudáveis dias?
Se o passado é sempre um descortinar de boas lembranças – pois que as más logo tratamos de eliminar ou deixar de lado – imagine essa viagem ao nível da evolução humana. Pudesse a humanidade retornar às suas origens! Pudéssemos todos, ao menos em sonho, contemplar e compreender os primeiros passos da nossa história, desde a Criação, passando pelas guerras e muitas conquistas que nos trouxeram até aqui. Imagino ser esta uma viagem espetacular, uma verdadeira odisseia, que nos faria compreender melhor a razão da vida e errar menos nos passos futuros. Olhar para trás e comtemplar os erros, sem dúvidas, é a mais sábia maneira de corrigir a rota ainda em curso. Acontece que uma viagem de volta descortina apenas cenários já conhecidos, enquanto para o futuro é um constante descobrir de novas aventuras, conhecimentos. Eis a sina do homem! Aventurar-se pelo desconhecido.
Mas venhamos e convenhamos. Se a lida humana o força a espelhar-se no passado, lá haveremos de encontrar lições preciosas. Um retorno superficial nos aponta o deicídio humano como divisor de águas, antes e depois diz a história. Antes, conquistou-se a Terra Prometida, a soberania de um povo errante, que se aventurou durante 40 anos pelas areias de um deserto escaldante, que foi liberto miraculosamente do jugo da escravidão (tanto no Egito, quanto na Babilônia), que viu seu pai Abraão deixar tudo acreditando na prosperidade de seu povo, que se multiplicou e povoou inúmeros territórios, levando a todos sua crença num Deus único, que sofreu com um dilúvio contra suas infidelidades, que propiciou o primeiro fratricídio (o mais tristes dos pecados contra um irmão, um semelhante, que se viu expulso do Paraíso…).
Depois de Cristo, algo mudou? Aparentemente, não. Há ainda um deserto a nos queimar os pés claudicantes, que nos turva a vista e não nos deixar antever os gozos da soberania de uma nova Jerusalém. A escravidão do pecado ainda nos faz arrastar sobre a podridão de uma história cheia de vícios, descrença e incertezas quanto ao futuro. As guerras se multiplicaram, sofisticaram-se e dão ao homem poderes nunca vistos ou imaginados. Podemos destruir o mundo! Podemos extinguir a vida! Querem mais? Um dilúvio de incertezas nos abala, nos sufoca e faz naufragar a Esperança, única sobrevivente da caixa de Pandora, a bela mulher do início dos séculos, a outra Eva que a mitologia grega criou para entender nossa própria origem. A esperança nos deu Palavras de Vida Eterna. Eis tudo, olhando o passado, a origem de tudo, respeitaremos o futuro, a incógnita dos que fazem da vida uma aventura. Esta só com fé será transformada. Então nos perguntamos: o que é mais didático. Um olhar para o passado ou a contemplação de um futuro melhor? Creio que ambos hão de nos oferecer respostas positivas. Mas a Bíblia, o livro da vida, nos acena com os portais de uma cidade (uma civilização) justa e santa. “Felizes aqueles que lavam as suas vestes para terem direito à árvore da vida e poderem entrar na cidade pelas portas” (Ap 22, 14). Perdemos um paraíso, no passado. Outro no espera. Basta crer.
ERRATA: Semana passada cometi pequena gafe, justamente com a referência bíblica que era o centro da reflexão. Onde se lê Ecle 28,4, leia-se Ecle 28,14.