Uma jovem mulher, seus filhos pequenos e um incêndio numa casa pobre de madeira. Esse é o cenário de mais uma tragédia humana que já nem causa muita comoção nas pessoas calejadas pela avalanche de notícias que desnudam as injustiças de nossa sociedade cada vez mais comprometida com a desigualdade.
Pode ser mais uma trágica e passageira manchete de jornal, um breve relato no rádio ou apenas mais um registro de ocorrência entre tantos que se amontoam nos arquivos das delegacias de polícia.
Mas, por trás da notícia, do relato policial e da pouca repercussão pelos comentários de quem soube do caso, escrevem-se histórias de vida, formam-se consciências e adquirem-se valores de como viver em mínima harmonia com os seus semelhantes.
O caso deu-se em Assis, depois que uma mãe zelosa pelos filhos ascendeu uma vela para espantar a escuridão da casa que ficou sem energia elétrica. Na madrugada, o incêndio de grandes proporções que nem mesmo o Corpo de Bombeiros, a menos de 30 metros, conseguiu debelar a tempo de salvar as vidas que pulsavam dentro daquele amontoado de madeiras e telhas sujas e velhas.
A casa simples e pobre era, para aquela família, o único refúgio seguro contra os revezes da existência de dificuldades, o conforto contra a frieza do cotidiano, o porto seguro contra a atribulação do dia-a-dia. Enfim, era mais um lar que, como tantos outros, testemunhou fatos, histórias, sonhos e desencantos de pessoas unidas pelos desígnios de Deus, pelo reencontro de espíritos que se buscam para a reconciliação ou simplesmente pelo mero acaso da estatística biológica.
Seja como for, era um núcleo familiar de brasileiros que resistia à pobreza, que enfrentava as dificuldades do cotidiano e teimava em manter o mínimo de dignidade diante das incertezas continuadas, da ausência de oportunidades, da falta de acesso às condições básicas de subsistência e da inoperância dos governantes que vendem sonhos e entregam pesadelos.
Os restos do corpo carbonizado da jovem mulher, recostado no velho fogão transformado em amontoado de metal retorcido, com o braço direito fraturado, provavelmente pelo esforço descomunal em quebrar as madeiras da casa para salvar seus filhos, é o retrato fidedigno de uma verdadeira heroína das mazelas de uma realidade que se escancara em nosso frio cotidiano.
Mas, como mulher anônima, simples e pobre, seu gesto servirá de exemplo apenas aos órfãos que terão a mãe como referência de abnegação absoluta diante da premência em salvar-lhes a vida. Essa mulher não será nome de rua, sua história não servirá para ilustrar teses e, muito provavelmente, nem mesmo um túmulo digno ganhará como direito ou homenagem.
(Crônica produzida a partir de fato verídico publicado como reportagem no JC no final dos anos 2000)