- Parte I
Pequena leitura sobre governantes
Em minhas andanças pelo país, operando como consultor nos eixos do marketing político, desde os anos 80, convivi com os mais variados e interessantes perfis de governantes. Alguns tipos merecem estudos para verificação de sua índole governativa.
O mais populista
Passei a enxergar sua vida cotidiana, a partir da liturgia que usavam ou inventavam. Ottomar de Sousa Pinto, que governou o Estado de Roraima por três vezes, tendo sido ele mesmo o personagem central para a transformação do então território em Estado, foi o mais instigante. O mais populista, o mais engraçado, o mais debochado e, pasmem, um dos mais preparados.
Totó
Totó, como era chamado, era brigadeiro, engenheiro (civil e elétrico, duas especialidades), médico, economista, bacharel em Direito, contabilista, com mestrado em pavimentação nos Estados Unidos e com diversos cursos na Escola do Estado Maior da Aeronáutica. Um dos últimos cursos que registrei foi o de Ciência Política.
Diabetes
Carregava uma diabetes. Pois bem. Na hora da injeção, puxava a insulina, a bomba, abria a camisa e, em segundos, se medicava. Onde estivesse, cumpria o ritual. Na rua, dirigindo mesas de eventos, recebendo autoridades. Fazia isso com simplicidade, sem gestos ou apelos emotivos. Quando tinha fome, ao atender eleitores nas filas que rodeavam quarteirões, chamava um assessor, pedia a ele uma banana nanica (tinha de ser nanica), descascava, entregava as cascas ao assessor e se alimentava. No meio da rua.
Pintolândia
Em Boa Vista, a capital, está lá instalada a Pintolândia, reduto habitacional criado por Ottomar Pinto. Tratava-se, não sei hoje, de um dos braços populistas do governador. Massas fiéis ao seu comando. Ao governante, como se sabe, dependendo do estágio de desenvolvimento do povo, atribuem-se qualidades e virtudes como as de grande chefe, herói, pai, salvador da pátria, escolhido do Senhor.
O salvador da Pátria
Para reforçar a aura de poder do governante, um grupo de fiéis soldados, uma espécie de “sociedade de corte”, devota-lhe uma reverência quase sagrada, funcionando como anteparo entre o poder central e a sociedade. Totó, baixinho e barriga proeminente, era o salvador da Pátria.
Conversas sobre história e política
Quando vinha a São Paulo, um dos seus prazeres era conversar com este analista de política, no escritório, em Moema, sobre o universo do poder: a política, desde os tempos de Aristóteles, os passos da civilização, os grandes discursos dos estadistas (tinha preferência por esta área), o Brasil e assim por diante. Fustigava meus livros, pedindo emprestado aqueles que continham discursos clássicos de políticos e governantes. P.S. Alguns nunca foram devolvidos. Não emprestei “Mistificação das Massas pela Propaganda Política”, de Sergei Tchakhotine, que insistia em levar na sua pasta. Eu dizia: este está esgotado e eu estou sempre relendo para conferir passagens e usá-las em meus artigos. O que era verdade. Minha bíblia. Pedia-me para recitar trechos em latim, de Virgílio, na Eneida. E a relembrar passagens famosas de guerras e conflitos. Ele mesmo, um poço de fluência.
Totó e Mimi
Para não ir longe, relato um dos episódios ocorridos numa das campanhas políticas, que coordenei em Roraima.
Ficava 15 dias em Boa Vista e 15 dias em SP. Na campanha para prefeito de Boa Vista, em 1996, em uma das minhas voltas para São Paulo, ainda no aeroporto de Congonhas, atendi ao telefonema de meu diretor de campanha, Luiz Fernando Santoro, aflito, nervoso, estressado:
– Torquato: (assim me chamava), volte urgente. Urgente. Nossa campanha está no despenhadeiro. Botaram o gaguinho no programa de Salomão, nosso adversário. (Salomão Cruz, médico, família tradicional no Estado).
O gaguinho aparece na rodoviária, perguntando diversas vezes:
– Quem…qu..em é o vi…ce, quem é o vi…ce, qu…em é o vi…ce?
Explico. O gaguinho era um sujeito folclórico, muito engraçado com sua gagueira. Ottomar escolhera um empresário, Claudezir Filgueiras, do ramo de venda de automóveis para compor sua chapa. Tinha (tem) o apelido de Mimi. Certamente, pela dificuldade fonética de seu nome. A pergunta do gaguinho acionava o sistema cognitivo do eleitor, despertando suspeição e contrariedade. Ottomar queria usar a prefeitura, elegendo-se prefeito, em 1966, para voltar a ser governador dois anos depois, em 1998. E quem iria substituí-lo? Um cara chamado Claudezir. Traição ao eleitor, que teria sido enganado. Iria chegar ao assento no lugar do Totó. Santoro complementava:
– Venha logo, a cidade toda está zoando, rindo, gargalhando com a pergunta marota, gaguejada:
– Quem….quem…qu…em é o vice? Qu…mes…mo?
Perdemos uns bons pontos no índice de intenção de voto. Não tive dúvida. No próprio aeroporto, comprei passagem para Boa Vista, no voo ao final da tarde e me despachei. Manhã seguinte, no sábado, caçamos o gaguinho pelas feiras livres de Boa Vista. Achamos o gaguinho. Levamos o “cabo eleitoral” para uma conversa cheia de promessas. Emprego para ele e família, etc. etc. etc. A muito custo, acedeu. Levamos o gaguinho para a rodoviária. Colocamos nosso festejado gago na mesma posição e no mesmo lugar onde gravara o spot do adversário. Combinei com Mimi, que ele deveria correr para o lugar de gravação na rodoviária. Gaguinho faz a pergunta:
– Quem…qu…em…quem é ..o vice?
Alarga os braços e vira-se para o lado e responde:
– Ah, é meu.eu…. queri…do Mimi. Um..abbra…ço Mimi.
Que aparece sorridente. E não diz nada. Ou seja, aproveitamos a pergunta teaser (chamativa, curiosa) do adversário e demos a resposta. Ganhamos a campanha do Totó e Mimi. À meia noite, despachamos o gago para Santa Elena de Uairén, na fronteira da Venezuela com o Brasil, onde morava uma irmã dele. Só voltou a Boa Vista, após a campanha. Perguntando quase todos os dias se já podia voltar. Voltou como vitorioso.
- Parte II
Raspando o tacho
– A reconstrução do RS não é obra de curto prazo. Coisa de uma década. Sob a solidariedade nacional.
– Quem quiser tirar proveito da calamidade gaúcha vai receber o desprezo do eleitor.
– O frio chegou a SP. Com suas intermitências. Oh, tempos.
– A economia de Fernando Haddad começa a capengar.
– Fake news batendo nas portas do Vaticano.
– Benjamin …vai para o diabo… deverá ser expulso pelos israelenses da mesa do poder. A conferir.
– Sinais de deterioração do planeta nunca foram tantos em muitos e muitos espaços…!
– A IA ganha adeptos, mas avoluma teia crítica.
– A esquerda se fraciona, a direita se redireciona. Vamos acompanhar essas direções.
– Tarcísio de Freitas aparece como eixo central do bolsonarismo.
– Xi Jinping vem ao Brasil. Um bom sinal.
– A guerra Ucrânia x Rússia sem previsão de trégua. Um mau sinal.
– Brasileiros ficam mais pessimistas. Sensação nas ruas.
– Vai ser difícil Lula eleger Boulos em SP.
– Tabata Amaral, do PSB, tem cara de adolescente. Difícil mudar postura.
– Datena, caro Zé Aníbal, não é perfil confiável. Mutante, que é. Que Deus o tenha!
– Trump consolida suas bases nos EUA. A quantas anda a Humanidade…!
Fecho a coluna com a querida Paraíba.
Quanta terra!
João Suassuna, velho coronel e líder político do Estado da Paraíba, pai do escritor Ariano Suassuna, perseguindo um trabalhador de seus imensos latifúndios, mandou dar um purgante de óleo de rícino, chamou dois jagunços. Sebastião Nery descreve:
– Levem esse cabra até a fronteira da fazenda. Vão os três a pé. E o purgante não pode fazer efeito em minhas terras. Se fizer, podem sumir com ele.
O homem saiu na frente dos dois capangas, andou, andou, apertou o passo, escureceu, e nada de chegar o fim da fazenda. O remédio começava a torturar e o homem suando frio e andando ligeiro. De repente, não aguentou mais, gemeu:
– Êta coronel pra ter terra.
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Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.
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A coluna Porandubas Políticas, integrante do site Migalhas (www.migalhas.com.br), é assinada pelo respeitado jornalista Gaudêncio Torquato, e atualizada semanalmente com as mais exclusivas informações do cenário político nacional.