GUARDAR A PALAVRA

Quanto vale uma palavra? De onde vem sua importância, peso, crédito e influência? Por que falar? Por que ouvir? Como ouvir sem ficar mudo? Como falar sem ficar tagarela?

Se partirmos do princípio de que a palavra é Algo Sagrado, facilmente chegaremos à conclusão de que nosso tempo vive uma grande crise de palavra. A palavra já não tem mais o mesmo peso do que antes. A velha história do ‘dar a palavra’; do ‘honrar a palavra’, do ‘fio de bigode’… não tem a mesma força.

O que está ocorrendo? O fato é que a palavra foi sendo desgastada, usada de qualquer jeito, para qualquer coisa. A palavra foi sendo desmoralizada: falar e não fazer; discursar bonito e não corresponder; criticar; fofocar; futricar; levantar falso testemunho; fazer calúnias; mentir; iludir; passar para trás; enganar; debochar; xingar; ridicularizar; fazer piadas; difamar; dedurar; dissimular… Tudo isso vai fazendo a palavra perder o valor, o peso, a eficácia, o crédito e a importância.

A tendência geral, mediante a banalização, é lidar com a palavra e com o interlocutor na base da desconfiança, da dúvida, do medo…

Como recuperar a palavra na sua inteireza?

Embora a banalização da palavra seja um fato, não devemos relacionar tal banalização à palavra em si mesma. A palavra em si mesma não é banal, é valiosa. Banal é o que guardamos do efeito da palavra em nós, seja quando dizemos; seja quando ouvimos. O que guardamos da palavra dita ou ouvida é que banaliza, desgasta e desmerece. Ora, se recebemos uma ofensa e guardamos a ofensa é bem provável que as próximas palavras ouvida ou ditas poderão estar carregas com o sentido de ofensa para nós. Assim, também, se guardamos uma mentira, uma crítica, uma piada, uma difamação, uma calúnia, um falso testemunho, uma fofoca… Nós acabamos nos alimentando daquilo que guardamos.

E por falar nisso, que palavras você tem guardado dentro de você? Por que você guarda tais palavras? O que pretende fazer com elas? Em que tais palavras te transformaram? Convém manter em você estas palavras? Já não está na hora de deixar de ser depósito dos terrores das inúmeras vozes e palavras?  O que você tem, ainda, de ligação com desafetos antigos, intrigas, rivalidades, competições e dissabores que já sugaram grande parte de sua energia? Não seria a hora de se tornar depositária de coisas novas capazes de fazer crescer renovando?

Guardar a palavra é um ato sublime de amor que pressupõe respeito e filtro. Respeito para com a palavra, com quem a pronuncia e como com a gente mesmo e filtro para os sentimentos, as ênfases, os floreios, os enfeites, as impressões, as emoções, os detalhes que vêm junto com a palavra. Porque é isso que pode deturpar e banalizar. O essencial da palavra, geralmente, acaba escapando de nós quando falta respeito e filtro porque acabamos ficando com aquilo que deveria ficar no filtro.

Diz o Senhor: “Se alguém me ama, guarda a minha palavra, e meu Pai o amará. Eu e meu Pai viremos e faremos nele a nossa morada. Quem não me ama, não guarda as minhas palavras. E a palavra que vocês ouvem não é minha, mas é a palavra do Pai que me enviou” (Jo 14,23-26).

“É preciso que vocês se renovem pela transformação espiritual da inteligência, e se revistam do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade que vem da verdade. Por isso, abandonem a mentira: cada um diga a verdade ao seu próximo, pois somos membros uns dos outros. Vocês estão com raiva? Não pequem; o sol não se ponha sobre o ressentimento de vocês. Não dêem ocasião ao diabo” (Ef 4,23-29).

Vale a pena corrigir o que a gente fala e o que a gente ouve porque pode ser que estejamos sendo depósito de inutilidades e propagadores de banalidades.

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Cláudio Pissolito

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