Cidade completa 95 anos nesta quinta-feira (4), mas esconde um passado muito anterior escondido em suas rochas: há 140 milhões de anos, região pode ter abrigado um vale de dinossauros.
A emancipação política de Marília (SP) veio há 95 anos e é celebrada nesta quinta-feira (4), mas a cidade carrega vestígios do período pré-histórico.
Com uma população de mais de 200 mil habitantes, Marília esconde um passado que está marcado em suas rochas: há 140 milhões de anos, o local pode ter abrigado um vale de dinossauros.
Já faz mais de três décadas desde o anúncio feito por Cid Moreira na bancada do Jornal Nacional sobre a descoberta de um fóssil de dinossauro em um pequeno distrito no centro-oeste do estado de São Paulo. A notícia, de junho de 1993, falava sobre um achado em Padre Nóbrega, em Marília, o primeiro na região.
Desde então, o local tem revelado ser um dos principais potenciais fossilíferos da América do Sul: ao todo, mais de dois mil fragmentos de ossos foram descobertos na região até hoje.
Os vestígios de dinossauros começaram a ser encontrados na região ao longo dos anos 1990. Além do achado em Padre Nóbrega, descobertas em Pompéia, Duartina e na própria cidade de Marília forneceram as primeiras evidências de que o local abrigava criaturas primitivas.
Entre os ossos descobertos no centro-oeste paulista, a maioria pertencia a um dinossauro em específico: o Titanossauro, um animal quadrúpede, de pescoço bastante alongado e que só se alimentava de vegetais.
“Eles variavam de tamanho, entre nove e 10 metros até 20, 25 metros de comprimento, e habitavam todo o hemisfério sul. Particularmente nas regiões de Marília e Presidente Prudente (SP), temos vários registros desse tipo de dinossauro, indicando que ele pastava nesses locais e vivia em manadas”, explicou o paleontólogo William Roberto Nava.
Rota dos dinossauros
Apesar das descobertas inéditas, a cidade só conseguiu se consolidar na rota da paleontologia há 13 anos. Isso porque, em abril de 2009, o paleontólogo William Roberto Nava fez uma descoberta grandiosa enquanto vasculhava o solo de Marília: ossos do mais completo Titanossauro já encontrado no Brasil.
As escavações do achado repercutiram tanto que serviram de inspiração para a novela “Morde e Assopra”, lançada em 2011 pela TV Globo. A produção conta a história de uma paleontóloga que viaja ao interior de São Paulo em busca dos animais primitivos.
“Eu estava voltando para casa e, talvez por alguma intuição, resolvi parar em um barranco de rochas para olhar o local. Foi então que eu percebi vários ossos desse dinossauro expostos. Eles já deviam estar ali, sob sol e chuva, há um bom tempo. Foi um momento de muita felicidade”, relembra o pesquisador.
Em 2015, os ossos do Titanossauro foram levados para a Universidade de Brasília (UnB) para serem comparados aos de outros dinossauros. Cerca de 70% do esqueleto do dinossauro estava preservado: foram achadas parte do pescoço, vértebras das costas e da cauda, costelas e fragmentos do crânio, da bacia e das patas.
A ossada foi parar em um laboratório do campus de Planaltina para estudos. O grupo de pesquisadores estima que a criatura tenha pesado 10 toneladas e atingido 15 metros de comprimento.
Em 2016, ossos de crocodilo e de Titanossauro e um dente de dinossauro foram encontrados em uma área de rochas em Marília. Nava passou cerca de três meses pesquisando a existência de fósseis no local até se deparar com os vestígios, datados de aproximadamente 65 milhões de anos. As três peças encontradas pelo paleontólogo foram retiradas de um barranco de cerca de 20 metros de altura.
Descobertas em rodovias
Em 2021, fósseis de Titanossauro foram descobertos durante obras em rodovias da região em três ocasiões.
O primeiro deles foi encontrado em julho, nas obras de duplicação da Rodovia Leonor Mendes de Barros (SP-333), entre Marília e Júlio Mesquita. Era um fêmur, com cerca de 1,5 metros, localizado a poucos centímetros da lateral de um talude.
Em setembro, escavações às margens da Rodovia Rachid Rayes (SP-333), em Marília, deram de cara com um conjunto de fósseis escondidos em um talude. Entre os vestígios, foram encontrados outro fêmur e alguns fragmentos de costelas.
Pouco menos de dois meses depois, um terceiro fêmur de Titanossauro foi encontrado na mesma rodovia. Nava acredita que o fóssil seja diferente do encontrado no local em setembro daquele ano.
“Nós pedimos para que o pessoal do maquinário nos avisasse caso encontrasse algo durante as obras. Em um dos barrancos, conseguimos identificar ossos de ao menos três Titanossauros diferentes”, diz.
Sapos e crocodilos pré-históricos
E não só de vestígios de dinossauros vive a região. Os fósseis de uma espécie de sapo do período Cretáceo, entre 130 milhões e 65 milhões de anos atrás, foram descobertos em escavações na formação Adamantina da região de Marília, entre dezembro de 2000 e fevereiro de 2001.
A espécie foi catalogada cientificamente com o nome em homenagem a Marília e ao professor responsável pela descoberta: Mariliabatrachus Navai.
A denominação escolhida para o novo fóssil classificado tem o prefixo Marília, em referência ao local da descoberta, e o segundo nome Navai, que refere-se ao sobrenome do paleontólogo William Roberto Nava.
O professor explica que esse tipo de fóssil é escasso e, muitas vezes, limitado a alguns espécimes danificados com afinidades incertas. No Brasil, há registro somente de outras três espécies de sapos pré-históricos como o encontrado em Marília.
As dezenas de fósseis encontrados foram levados para o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), onde se tornaram objeto de pesquisa durante as últimas duas décadas.
No final de 2023, o registro com o nome científico foi divulgado com a publicação de um artigo na revista Zoological Journal of the Linnean Society, da Universidade de Oxford. Os fósseis foram reconhecidos, oficialmente, pela comunidade científica como uma peça rara.
E esse foi o segundo fóssil achado no sítio paleontológico onde está Marília. A pesquisa já havia identificado anuros associados a esqueletos do crocodilomorfo Mariliasuchus amarali, fóssil de uma espécie de crocodilo pré-histórico também descoberto por Nava, durante escavações voluntárias em 1995, e que também recebeu nome em homenagem a Marília.
Mariliasuchus era um crocodilo onívoro, com dentição composta por caniniformes, incisiformes, pré-molares e molares, que poderia se alimentar tanto de carnes quanto de vegetais e provavelmente raízes. É uma espécie primitiva de crocodilo só encontrado, até o momento, na região de Marília.
“Logo de cara fiz as primeiras descobertas de fósseis de crocodilos primitivos, de pequeno tamanho (cerca de 1,20 m de comprimento). Além de encontrar os restos ósseos e esqueletos, encontrava também ninhadas de ovos e coprólitos (depois reconhecidos como pertencentes ao Mariliasuchus), inclusive o primeiro registro efetivo de ovos de crocodilo fóssil da Bacia Bauru vem de Marília, pertencentes ao Mariliasuchus”, conta o paleontólogo.
Já os sapos encontrados eram provavelmente parte da alimentação dos crocodilos, segundo o professor, e conviviam não somente com eles, mas também com os dinossauros.
Solo privilegiado
Um dos fatores que colaboram para que as descobertas aconteçam na região é o relevo colinoso. A área possui uma topografia bem acidentada, cheia de colinas – não à toa, é conhecida como Planalto de Marília.
“Por causa das serras, quando as rochas são cortadas nas obras feitas pelo homem, os sedimentos ficam expostos. Isso facilita a localização de fósseis”, explica Nava.
Além de favorecer a descoberta dos ossos, a região ainda ajuda na preservação deles. Isso porque o solo local é rico em carbonato de cálcio, uma substância muito presente nas águas de antigos rios e lagos, na longínqua era dos dinossauros.
“Pelo estudo geológico, sabe-se que a região em que Marília está localizada possuía um clima muito quente e seco. Havia muito mais evaporação do que acúmulo de água. Em pequenos rios e lagos, a água evaporava rapidamente e o carbonato de cálcio se concentrava no fundo. Se ali houvesse dinossauros mortos, os ossos eram envoltos por uma película protetora formada pela substância”, diz.
História preservada
Com tanta história para ser contada, Marília abriga o Museu de Paleontologia. Já na entrada do prédio, uma réplica do tradicional Titanossauro – com imponentes 12 metros de comprimento – é a atração principal. Na área interna, um Abelisaurus, de aproximadamente quatro metros de comprimento, dá as boas-vindas ao público.
Entre os atrativos, o museu disponibiliza óculos de realidade virtual e aumentada 3D para que a experiência dentro do ambiente se torne ainda mais imersiva. Com o equipamento, o público pode ser projetado para um cenário da Marília pré-histórica, sendo possível ver e interagir com alguns dos dinossauros que habitaram a região.
Os visitantes também podem consultar informações sobre as criaturas em totens interativos espalhados pelo local e em um aplicativo de celular preparado pela instituição.
Inaugurado em novembro de 2004, o Museu de Paleontologia de Marília é considerado uma significativa contribuição ao conhecimento científico regional e nacional na área da paleontologia.
Localizado na Avenida Sampaio Vidal, esquina com a Rio Branco, funciona de terça a sexta-feira, das 9h às 17h, e aos sábados, das 13h às 18h.
Mais informações sobre visitas e agendamentos podem ser obtidas pelo telefone (14) 98100-1809. A entrada é gratuita.
Fonte: G1