Porandubas Políticas – nº 5.869 – Gaudêncio Torquato

A coluna, hoje, é uma colcha de retalhos com situações vividas em minha vida profissional. Registro momentos hilários de tempos idos.

Franco Montoro

No universo político, que frequento desde os idos de 1980, são muitas as passagens interessantes. Pinço, aqui, uma historinha que envolve o saudoso ex-governador, ex-senador e paladino de nossa democracia, Franco Montoro.

E o Agrário?

Depois de deixar a esfera governativa e parlamentar, Franco Montoro passou a se dedicar ao Instituto Latino-Americano – ILAM. Na condição de presidente desta entidade, foi a um almoço que organizei com um pequeno grupo de professores da USP no restaurante do campus. O ex-governador, como se sabe, registrava passagens de dislexia, momentos em que confundia nomes, alhos com bugalhos, motivando risos em cerimônias. A conversa fluía bem, versando sobre os mais diferentes problemas do país. A certa altura, ele se surpreendeu ao saber que este escriba era potiguar e parente de queridos amigos dele e de dona Lucy Montoro. De repente, lá vem a pergunta:

– Gaudêncio, como está o Agrário?

– Agrário, Agrário? Não sei quem é, governador.

Passo a lupa na mente e lamento ignorar a identidade da figura. Mudamos de assunto. Mas o Agrário continuava a me coçar a cabeça. De repente, Eureka! Agrário? Não seria o Urbano? Indago:

– Governador, voltando ao Agrário, será que o senhor não confundiu o Agrário com o Urbano?

– Ah, sim, é claro, é claro. Desculpe. Como vai o Urbano?

Francisco Urbano era presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG. Um potiguar muito conhecido nos universos sindicalista e político. A dislexia havia intercambiado o espaço rural com a geografia urbana. Franco Montoro, exemplo de honradez, dignidade, seriedade, civismo, independência. Faz muita falta nesses tempos de lamaçal político.

Ramez Tebet – O besourão

A historinha me foi contada pelo ex-senador Ramez Tebet, saudoso amigo. Por ocasião da criação do Estado do MS, em 1979, a população de Campo Grande ficava assombrada com a caravana dos 17 grandes carrões pretos dos deputados estaduais que paravam diante da Assembleia Legislativa. Os carros ganharam logo o nome de “besourão” e, ao passarem pelas ruas, as pessoas logo faziam o sinal da cruz, na tentativa de afastar o medo daqueles carros que mais pareciam transporte de defunto.

Tebet na direção

Ninguém se atrevia a andar num carro daqueles. Até que um dia, ao comparecer ao velório de um correligionário, numa cidade do interior, dirigindo um desses carros, o então deputado Ramez Tebet teve que atender ao pedido da família do defunto. Queriam que o defunto fosse transportado naquele carro. Nessa hora, não dá para negar. E lá se vai o deputado carregando o caixão de defunto em seu “besourão”. A história se espalhou por todo o Estado. Assim a fama negativa do carrão preto foi dissipada. O “besourão” passou a ser visto com outros olhos. A boa fama só veio, por incrível que pareça, depois de Ramez ter conduzido um defunto.

Roberto Campos

Roberto Campos era ministro do Planejamento do governo Castelo Branco. Chegando em Recife, deu uma entrevista coletiva na sede da Sudene, na avenida Dantas Barreto. Na época, os recursos que vinham para o Nordeste eram minguados. E distribuídos como migalhas aos Estados. Ainda foca (iniciante no jornalismo, como repórter do Jornal do Brasil), fui para a entrevista. Após abrangente explanação sobre os programas da administração Federal para o Nordeste, tive a ousadia de fazer a primeira pergunta:

– Ministro, o senhor não acha que a pulverização de verbas para a região nordestina não acaba sendo perniciosa? Não seria mais eficaz um programa com prioridades e aplicação de recursos?

Campos, ex-seminarista como eu, devolve a pergunta:

– O que o jovem entende por pulverização?

Embasbacado, sem esperar pela contrapergunta, tentei responder, lembrando a fragmentação de verbas; quase me engasguei. Campos era um mestre na arte de argumentar.

Tasso Jereissati

Cheguei em Fortaleza para ajudar na campanha de Tasso em 24 de junho de 1986, noite de São João. O candidato fora convidado pelo deputado estadual do MDB, Barros Pinho, para uma festa junina em um bairro popular da capital. Seria sua primeira experiência no meio do povo. Sua tarefa: presidir um júri para julgamento de fantasias juninas.

Um peixe fora d’água

Ficou completamente deslocado, um peixe fora d’água. Chega ao ambiente e sob conselho deste escriba, vai, de mesa em mesa, apresentando-se aos presentes. Começa a presidir o evento. Encabulado, não sabe o que fazer. Enrola-se. Grande dificuldade de comunicação. Um desastre. Só era conhecido no bairro de classe média alta, Aldeota. Tinha menos de 2% de intenção de voto. Depois do evento, angustiado, ele, Sérgio Machado, na época seu braço direito, e este escriba dirigem-se a um restaurante na praia para degustar uma lagosta. Sob o efeito de um uísque tranquilizante, Tasso desabafa: “desisto, amigos; se política for isso, assistir a batizado, casamento, velório, desfile infantil em festa junina, não contem comigo. Tô fora“. Transtornado. Insatisfeito. No Hotel Esplanada, numa máquina Lettera 22, no dia seguinte, esbocei o planejamento de sua campanha. Fui à Brasília para a MPM produzir os canais de propaganda, a partir do briefing que fiz. Esperei pelo trabalho. Volto à Fortaleza para apresentar o material. O moderno contra o arcaico. O novo contra os coronéis. Tasso gostou da ideia, mas não dos layouts da MPM. A agência Propeg, de Fernando Barros e Rodrigo Menezes, instalada na Bahia, iria produzir a papelada da campanha. Geraldo Walter foi convidado a comandar. Tasso deu um banho nos três coronéis que comandavam a política cearense: Virgílio Távora, César Cals e Adauto Bezerra.

Alberto Silva

Alberto Silva dizia que a alma piauiense sofria de complexo de inferioridade. Na Sudene, em Recife, ouvi uma interpretação do então governador do MDB. Contou ele:

– Um interlocutor pergunta a outro – O senhor é de onde?

Resposta atravessada: sou do Piauí e daí? E já mostrava os punhos fechados para esmurrar o outro.

Michel Temer

Em 1986, fui convidado para fazer uma exposição sobre marketing político, com foco na eleição de deputados. O grupo que me convidou começava a organizar a campanha do professor renomado, ex-procurador do Estado de São Paulo, autor de livros consagrados de Direito Constitucional: Michel Temer. A palestra ocorreu em um prédio da av. Paulista, onde Michel tinha um escritório juntamente com outros afamados nomes da advocacia, como o prof. Celso Antônio Bandeira de Melo, o advogado especialista em Direito Eleitoral, Antônio Carlos Mendes. O grupo contava ainda com a participação do renomado professor de Direito, Ataliba Nogueira. Fiz a palestra para um grupo de 30 pessoas. Um participativo debate sobre os desafios a serem enfrentados pelo então candidato a deputado Federal. A partir da palestra, passei a prestar consultoria ao professor.

Bastidores

Michel Temer foi três vezes presidente da Câmara, credenciando-se como um dos mais respeitados articuladores da política e nome respeitado pelos pares. Como presidente da República, em pouco tempo, conseguiu implantar uma agenda avançada, desenvolvimentista. Dei conselhos, fui ouvido e ouvi muito. Há episódios que não posso deixar de lembrar.

Lula

Lula nunca foi próximo a Michel. Mantinham uma relação protocolar. Certa vez, os dois subiram ao palanque, em Natal/RN, para um comício de apoio à candidata Fátima Bezerra (PT) ao governo do Estado. Fátima não ganhou naquele ano, mas hoje é governadora em segundo mandato. Viajaram juntos de volta a São Paulo. Foi uma viagem, por assim dizer, de confraternização.

Papo amigável

O papo foi de aproximação, de expressões de respeito mútuo. Michel: “eu sei, presidente, que falam mal de mim para o senhor, sei que o senhor tem restrições a minha pessoa” … patati-patatá … Lula: “Michel, realmente temos pontos de vista diferentes sobre muita coisa, há pessoas que tentam nos afastar, mas vamos abrir um canal de comunicação para evitar nosso distanciamento“… patati-patatá. Lula se serviu de algumas doses de uísque. Michel, que não é de beber, conformando-se com uma ou outra taça de vinho, ou um licor, teve de acompanhar Lula na sequência das doses. Saíram os dois abraçados na chegada em Congonhas. Com a amizade uiscada. Os tempos mudam.

Bonecos de Olinda, prazer!

Certa feita, acompanhei Michel ao Recife para uma visita ao então governador de PE, Jarbas Vasconcelos. Fazia parte da liturgia do presidente do PMDB ouvir as lideranças do partido, ainda mais se tratando de Jarbas Vasconcelos, um perfil de honra, que realizou grande trabalho pelo partido, desde os tempos em que o presidiu. Chegamos já tardinha, com o sol se pondo. A casa do governador parecia um museu a céu aberto. Pela coleção de objetos, o artesanato pernambucano se fazia presente nos cômodos. Ficamos na sala de recepção, à entrada. Os raios do pôr do sol abriam claridade para uma sala contígua, onde em uma mesa de jantar, convivas pareciam se regalar com os acepipes. Fiquei curioso. Michel, muito educado, pediu licença de Jarbas, levantou-se e se dirigiu aos convivas, querendo cumprimentar cada um. Mão estendida para o primeiro, veio o susto. Eram bonecos de Olinda, em tamanho natural, sentados à mesa e diante de pratos e talheres. Não conseguimos conter o riso.

Freyre com y

O Americano Batista era um dos afamados colégios de Recife, dirigido por evangélicos batistas. Cursei no CAB os anos do Científico, onde fundei o Diretório Acadêmico, criei um jornal e fui o orador da turma na conclusão do curso. Escolhemos como paraninfo um ex-aluno do Colégio: Gilberto Freyre. Fomos entregar o convite a ele no solar de Apipucos, onde dona Madalena, sua esposa, nos ofereceu sucos e licores. O detalhe que alguns dos leitores devem ter notado é a grafia: Freyre com Y. Pois bem, eu havia grafado no convite Freire com I. Momento constrangedor. O professor viu que o nome dele estava com grafia errada e me devolveu o envelope com a observação:

– Meu filho, faça a correção. Meu Freyre é com Y. Meu pai, Alfredo, quando recebia correspondência com seu sobrenome errado, nem abria a carta. Devolvia. De modo que terei o prazer de recebê-los quando fizerem a correção.

Essa lição mexeu com minha cuca. Até hoje, confiro as grafias. Temo passar pelo puxão de orelhas do professor Gilberto Freyre com Y, que fez belíssima peça oratória no dia da formatura.

  • Parte II

Raspando o tacho

1. O Brasil político navega em águas turvas e turbulentas.

2. O Brasil econômico navega no fio da navalha.

3. O Brasil social navega nas últimas ondas da esperança, que se esvai à espera de grandes promessas.

4. O mundo se inclina levemente para a direita. 5. A conflituosidade no planeta dá sinais de revigoramento e intensidade. Tempos de ódio e guerra.

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Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.

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A coluna Porandubas Políticas, integrante do site Migalhas (www.migalhas.com.br), é assinada pelo respeitado jornalista Gaudêncio Torquato, e atualizada semanalmente com as mais exclusivas informações do cenário político nacional.

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