A sexta feira negra se foi. Mas seu rastro e suas lições não. Ainda é possível sentir no ar o endividamento arrasador que seu fascínio provocou a muitos lares iludidos pelo encantamento do consumismo. Rei Midas só percebeu essa armadilha quando a fome lhe tocou e o afeto tardio pela filha só foi valorizado ao constatar o desastre da sua ambição desmedida. Uma estátua de ouro nunca poderia substituir um carinho e um abraço filial, percebeu aquele que se julgava dono do mundo.
Essa é a fábula dos dias de hoje. Outrora o lastro das nossas riquezas era dourado, quantificava-se e se media a peso de ouro. Hoje já nem tanto. A moeda virtual está aí e as grandes fortunas se medem na equivalência dos barris petrolíferos, atrelados aos dólares dos Midamericanos, ou melhor, os petrodólares. O fascínio dourado perde sua beleza pela negritude momentânea do ouro negro, o pegajoso líquido das entranhas imersas nos subterrâneos desse mundo globalizado. Meu Deus, o ouro é negro!
Essa negritude é mais terrível que o dourado da luz. Não erroneamente se diz que o negro é a ausência de luz. Mas um dos nossos missionários um dia também exclamou: Meu Deus, você é negro! A luz de Deus não resplandece nas trevas da ambição humana. Mas se revela como único caminho para aqueles que ignoram sua luminosidade, seu brilho entre nós. (A propósito, Fonseca, meu irmão de caminhada, escreveu: “E só o Meac tem um livro DEUS NEGRO que abriu muitos caminhos”). Eis pois o caminho.
Luminoso ou tenebroso, brilhante ou obscuro, o caminho das verdadeiras riquezas passa pelas revelações. Ter ou não uma consciência que também respeita a cor negra, seja esta na pele ou no conhecimento dos mistérios e valores que nos atraem, é estabelecer limites para nossos sonhos e ambições. A negritude da alma é abjeta. Há muitos que não o são na pele, mas por dentro não enxergam um palmo de si mesmos; desconhecem as riquezas que o milagre da vida lhes proporcionou; não se satisfazem com esta e querem mais, muito mais. Desconhecem o quão maravilhoso é o brilho do existir, o privilégio da maior riqueza humana, a vida. Para estes Deus é verdadeiramente negro, não existe, nunca existiu.
Mas se Deus também se manifesta na negritude de nossas almas é porque à luz não se impõe barreiras. Um raio de Sol busca sempre o Infinito, tal qual a luz divina. Ilumina até o lado oculto, a face misteriosa da nossa Lua. Imagine então se não há de iluminar os momentos obscuros da nossa vida! A verdade é que nossas cegueiras, momentos de escuridão, um dia terão fim, mesmo ao custo de arrependimentos tardios. Midas, ao compreender não ser o ouro deste mundo essencial à vida – fosse ele dourado ou negro – mas sim a diversidade da vida e da natureza, do jardim que sua existência ocupava, olhou para suas mãos vazias (a mesma que lhe permitiu transformar tudo em ouro) e talvez tenha concluído: Viver é melhor que ter.
Como ensinou um dia aquele Mestre; “De que vale possuir o mundo inteiro se um dia vier a perder sua alma”. Hoje vejo: Não é a cor do ouro que faz a diferença, mas a luz que projetamos sobre ele. Ser Deus uma entidade luminosa ou negra depende da visão que temos, do valor que lhe damos, da compreensão ou não de seus mistérios em nossa vida. Cada qual tem o afeto que merece; mas nunca terá o abraço do Pai que desconhece. “Pois onde estiver o seu tesouro, aí estará também seu coração”.