Abro com uma historinha da política.
Não sei por onde começar
Foi no século passado. O desembargador Deoclides Mourão, tio do poeta Gerardo Mello Mourão, fez acordo com Urbano Santos, candidato ao governo do Maranhão. Eleito, Urbano não cumpriu nada. Deoclides Mourão mandou-lhe uma carta:
– Senhor governador, diz o povo que o homem se pega pela palavra, o boi pelo chifre e a vaca pelo rabo. Supondo não ter V. Exa. nenhum desses acessórios, não sei por onde começar.
A força da natureza
A força da natureza é a maior do universo. Os homens até conseguem, com obras monumentais de engenharia e arquitetura, driblar as forças naturais, porque sua força é extraordinária. Estão aí os diques, os túneis debaixo dos rios e dos mares, ícones da grandeza criativa do homem. Mas os furacões, os terremotos e as inundações que devastam espaços, não fazem concessões aos mais avançados bastiões da tecnologia. Porque a natureza não pode ser enganada todo tempo.
A catástrofe no RS
O Rio Grande do Sul é um dos Estados mais desenvolvidos da Federação. Está debaixo d’água. Padece da maior tragédia natural de sua história. Por mais que possa ser apontada como a fonte de todos os desastres, a natureza está apenas cobrando sua fatura. Uma fatura que cai no colo dos homens públicos, que foram omissos no planejamento de ações com vistas à atenuação da catástrofe. Homens públicos de todas as esferas, Federal, estadual e municipal. Que não enxergaram os riscos na ponta do nariz, um Estado recortado por rios, uma lagoa que virou lago e cujas águas relutam em desembocar no mar. Inundam a capital.
Desconfiança
Para nossa desgraça, os homens públicos só se mobilizam ante os fatos consumados. E agarram-se ao populismo para se elevar no patamar da política. Por isso mesmo, os gaúchos estão desconfiados, sob os destroços da devastação que deixa 500 mil habitantes sem água e luz. O RS é a luz que passa a iluminar o imenso túnel escuro de nossas inações, da irresponsabilidade dos homens públicos. A tragédia deixará marcas fortes na paisagem de um dos territórios mais charmosos do país. E tem gente querendo se aproveitar do caos que se instalou no Estado para fazer baixa política.
Basta
Os gaúchos não querem se entregar às ilusões e, aflitos, clamam por socorro. A perplexidade é geral. Em um ano eleitoral, é bom lembrar, a tragédia impactará as urnas. Um sentimento de revolta começa a oxigenar o pulmão cívico. John Stuart Mill, em Considerações sobre o Governo Representativo, diz que há duas espécies de cidadãos: os ativos e os passivos. Os governantes preferem os segundos – pois é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes – mas a democracia necessita dos primeiros. Este ano, a democracia brasileira ganhará uma recauchutagem. Com cidadãos ativos.
A catarse
Em outra ponta do arco da vida nacional, o Rio de Janeiro, sob os braços do Cristo no Corcovado, deu lugar ao maior palco aberto da música. Madonna, o maior ícone da música pop internacional, proporcionou um show catártico, reunindo – dizem – 1,6 milhão de pessoas, fazendo a multidão dançar ao som de músicas vibrantes e de um espetáculo impressionante de performances de dançarinos. O Brasil dos contrastes. Inundações no Sul, inundação da massa humana na praia de Copacabana. Tristeza, de um lado, alegria, de outro. Duas bandas de um mesmo corpo social. Fracionadas. E unidas com uma compressa para tapar as feridas e os dissabores. Compressa feita por Madonna para tapar os restos do sangue derramado pelos brasileiros nos últimos anos.
De graça? Ah, ah, ah…
Um show de graça foi o termo recorrente, ouvido em todas as esquinas do Brasil. Nada disso. Os anunciantes pagaram uma grana para ter por aqui Madona encerrando seu tour pelo mundo. A artista embolsou uns US$ 10 milhões. Basta ler a entrevista do empresário que a trouxe. (P.S. Luiz Oscar Niemeyer, sobrinho de Oscar Niemeyer, é o responsável pela vinda de Madonna para fazer show sábado no Rio de Janeiro, depois de dois anos de negociações. Ele já trouxe para o Brasil apresentações de Bob Dylan, Elton John, Eric Clapton, Paul McCartney e Stevie Wonder).
Com pressa
Embolsou um caminhão de dólares, que fique bem claro. Uma montanha de dinheiro. Domingo, já pela madrugada, correu com a filharada para o seu jatinho, e horas depois, repousava em sua mansão de 26 quartos, 3 andares, uma infinidade de banheiros, na parte mais chique de Manhattan, Nova Iorque. Madonna, após aplicar a compressa, voltou com pressa ao seu habitat. E argh…de jogo de palavra….
São João caro
Quanta extravagância. Em Mata de São João, na vizinhança de Salvador, a prefeitura vai pagar R$ 450 mil ao artista Bell Marques por show na cidade. Festas juninas. Já a prefeitura de Santa Rita, na Paraíba, vai gastar cerca de R$ 1 milhão em cinco shows nas festividades do São João. É o Brasil mostrando a sua cara.
Lula pedindo voto
Foi proposital. No dia 1º de maio, em São Paulo, em um evento esvaziado de público, Lula pediu votos para o “jovem” Guilherme Boulos, candidato do PSOL à prefeitura de SP. Sabia ser o gesto proibido. Mas uma multinha de 15 mil não vai fazer mal a ninguém. E Lula, o descumpridor número 1 da lei, vai reinando. O PT quer voltar a ter hegemonia na política. E tem boas condições. P.S. Boulos está 5 pontos abaixo de Ricardo Nunes, segundo última pesquisa do Instituto Paraná Pesquisas.
Dirceu, a força
José Dirceu recupera a força de tempos idos. Tem amigos em todas as rodas. É uma espécie de conselheiro-mor da política. O perfil mais articulado do PT.
Leite
O governador do RS, Eduardo Leite, tem sido um eficiente administrador da crise que assola o Estado. Com seu discurso de pedido de socorro e apelo a todas as forças do país. Acima da discurseira oportunista.
Raspando os conceitos
Reformar o Estado não é tarefa para uma só legislatura. Maquiavel já lembrava que nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de obter êxito ou mais perigoso de manejar do que iniciar uma nova ordem de coisas. O reformador tem inimigos na velha ordem, que se sentem ameaçados pela perda de privilégios, e defensores tímidos na nova ordem, temerosos que as coisas não deem certo.
Chimpanzé, Maquiavel e Gandhi
– Carlos Matus, em seu ensaio Estratégias Políticas, fala dos estilos de fazer política. Primeiro, o estilo chimpanzé – baseado no projeto do poder pessoal, da rivalidade permanente, da hierarquização da força – supera até mesmo o modelo Maquiavel, onde o personalismo do Príncipe, eixo do sistema, se subordina a um projeto de Estado. Na verdade, o que presenciamos é uma luta entre dois estilos. De um lado, o setor político, inspirado no lema “o poder pelo poder”, trabalhando com capricho, usa a arma do voto para atingir o objetivo de preservar e ampliar territórios e influência.
– Para tanto, adota a tática de disparar processos de tensão, ameaçar o Governo com retiradas de apoio, buscar coalizões de um lado e de outro. A natureza política é como o instinto do chimpanzé, para quem o ideal de vida é a conservação da própria espécie (“o fim sou eu mesmo”). A representação popular fica em segundo plano.
– Por último, o estilo Gandhi, onde o líder representa o consenso, a austeridade e a modéstia. Ele não carece de força física, porquanto repousa seu poder na espiritualidade. Trata-se de um estágio superior de cultura, mas não é necessário alguém se transformar em Papa ou Madre Tereza de Calcutá para alcançar tal grandeza. Espiando um pouco de lado, acha-se alguém de cara honesta. Esse é o estilo que o Brasil precisa incorporar no modelo político.
– Nunca precisamos tanto como agora do diálogo, da elevação dos espíritos, da negociação, da convivência, de um pacto por causas coletivas.
A campanha eleitoral – Razões para votar
O escopo do marketing político, ao longo da história, tem se mantido praticamente o mesmo. O que muda são as abordagens e as ferramentas tecnológicas. Atentem. No ano 64 a.C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero – protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e implantação do Império Romano – uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Ali, Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado, sem esquecer as abordagens psicológicas do discurso, como a lembrança sobre a esperança, este valor tão “marketizado” no Brasil e que se constituiu eixo central do discurso da era lulista. Dizia ele: “Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea“.
_______________________________________
Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.
________________________________________
A coluna Porandubas Políticas, integrante do site Migalhas (www.migalhas.com.br), é assinada pelo respeitado jornalista Gaudêncio Torquato, e atualizada semanalmente com as mais exclusivas informações do cenário político nacional.