Porandubas Políticas – nº 5.864 – Gaudêncio Torquato

  • Parte I

A pedidos, abro a coluna de hoje com mais uma historinha de campanha eleitoral.

O encerramento da campanha

Em 1986, coordenei a campanha de Freitas Neto para governo do Piauí. Na época, era filiado ao PFL. A eleição nesse ano ocorreu em 15 de novembro, não em outubro. Foi num sábado, mobilizando 166.166.810 eleitores. Disputada sob a euforia do Plano Cruzado, obra do governo José Sarney. O MDB elegeu 22 dos 22 governadores dos 23 existentes. Um único governador do PFL foi eleito: Antônio Carlos Valadares, de Sergipe. Foi o arrastão do Plano Cruzado.

Volto ao Piauí

Chegava o momento final da campanha, e cravávamos na massificação do “monumental” (entre as aspas, atentem) showmício de encerramento. Os carros de som anunciavam, desde cedo, o grande comício. Um espetáculo com a voz da fabulosa cantora Elba Ramalho. Na época, as carretas com imensos aparelhos de som saíram do Rio de Janeiro, 10 dias antes da data. Mas as fortes chuvas na região da Bahia atrapalharam o transporte. A lama nas estradas atrasou a chegada. Ficávamos ligando para as cidades de passagem das carretas para controlar a chegada. Não teve jeito. A aparelhagem do som chegou quase em cima da hora do comício na Praça do Marquês. Cheguei ao local com Freitas Neto um pouco antes, por volta de 18 horas, para ver o ambiente. Uma multidão nos aguardava.

O toró

Chegamos sob uma intensa e continuada chuva. Os técnicos se esforçavam para instalar os aparelhos e arrumar os grossos cabos. 18h30. O toró (como se diz no Nordeste) engrossava. A chuva torrencial bagunçou o coreto. Praça lotada. Milhares de piauienses pulavam e dançavam sob a chuva. Garrafas de cachaça corriam de mão em mão. De repente, um estrondo, seguido de outros. Fogo e fumaça nas tomadas dos cabos. Corre-corre dos técnicos e o aviso dos eletricistas ao nosso candidato: “Acabou o som. Não há condição.” Não havia aquele tipo grosso de cabo em Teresina. Só em Fortaleza. Elba Ramalho foi logo avisando:

– Está aqui meu contrato. Sem som, não canto.

Conversa vai, conversa vem, aflição e perplexidade. Depois de muita insistência, ela admitiu:

– Cantarei uma música, só, e me arranjem um acompanhamento.

Saiu não sei de onde um sujeito com um banjo. O povão urrava sob a chuva:

– Elba, Elba, Elba, queremos Elba, Elba, Elba…

Bate, bate, bate, coração…

A cantora saiu de trás. A multidão explodiu. E lá vem música:

– Bate, bate, bate, coração!

Ninguém ouvia nada. Zorra total.

Nem bem terminou a estrofe, Elba parou. Presenciei, ali, uma das maiores aflições de minha vida, um esculacho na massa:

– Seus imbecis, seus loucos, covardes, miseráveis. Como podem fazer uma coisa dessas?

O que era aquilo? Meu Deus, por que aquele carão? Olhei para o meio da multidão. E vi a cena que ainda hoje mexe com meus pensamentos ruins: um sujeito abria a boca de um jumento, enquanto outro despejava nela uma garrafa de cachaça. Foi o toque que faltava para o anticlímax. Quanto mais Elba xingava a multidão, mais apupos, mais vaias. No dia seguinte, Teresina gargalhava em gozação. O showmício de Freitas Neto fora um desastre. Senti o ar pesado.

O jumento imponderável

O comentário era um só: você viu o comício de Freitas Neto? Institutos de pesquisas, às vésperas do pleito, nos davam 3% de maioria sobre Alberto Silva, candidato do PMDB. Perdemos a campanha por 1%. O desastre do comício virou o clima. Senti essa virada ao observar a conversa dos eleitores nas ruas e escritórios. Quando faço palestras sobre Marketing Político, costumam me perguntar:

– Professor, qual é o fator imponderável em campanha eleitoral?

Na bucha, respondo:

– Um jumento embriagado no Piauí.

A lição de Quinto Túlio

O escopo do marketing político, ao longo da história, tem se mantido praticamente o mesmo. O que muda são as abordagens e as ferramentas tecnológicas. Atentem. No ano 64 a.C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero – protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e implantação do Império Romano – uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Ali, Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado, sem esquecer as abordagens psicológicas do discurso, como a lembrança sobre a esperança, este valor tão “marketizado” no Brasil e que se constituiu eixo central do discurso da era lulista. Dizia ele: “Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea.” P.S. O maior vendedor de esperanças de tempos de descrença, relembro, foi Lula, que começa a entrar em rota de declínio.

Propaganda agressiva

A revolução francesa de 1789 pode ser considerada o marco da propaganda agressiva nos termos em que hoje se apresenta. Ali, os jacobinos, insuflados por Robespierre, produziram um manual de combate político, recheado de injúrias, calúnias, gracejos e pilhérias que acendiam os instintos mais primitivos das multidões.

Nos Estados Unidos

Na atualidade, é a Nação norte-americana que detém a referência maior da propaganda agressiva, mola da campanha negativa. Este formato, cognominado de mudslinging, apresenta efeitos positivos e negativos. No contexto dos dois grandes partidos que se revezam no poder – democrata e republicano -, diferenças entre perfis e programas são mais nítidas e a polarização sustentada por campanhas combativas ajuda a sociedade a salvaguardar os valores que a guiam, como o amor à verdade, a defesa dos direitos individuais e sociais, a liberdade de expressão, entre outros. Nem sempre a estratégia de bater no adversário gera eficácia.

Tática

No futebol, quando o atacante joga a bola para trás, recuando-a para seu próprio campo de defesa, parece realizar um movimento covarde. Às vezes, é apupado. Muitos acham que a jogada não tem lógica. Mas essa bola recuada pode abrir espaços, deslocar o adversário, obrigá-lo a avançar de maneira descuidada e abrir a defesa. Pois bem, tal manobra pode gerar uma sequência de ações que culminarão com um gol. Essa é uma operação também chamada de OP. O gol é uma operação OP, de caráter terminal. E é construído por jogadas intermediárias. A tática é ferramenta de vitória.

Lições táticas

As lições de táticas e estratégias dos clássicos da política e das guerras parecem não merecer nenhuma consideração por parte de nossos marqueteiros, que perderam prestígio. Lembremos mais alguns conselhos de Sun Tzu:

a) “Quando em região difícil, não acampe. Em regiões onde se cruzam boas estradas, una-se aos seus aliados. Não se demore em posições perigosamente isoladas. Em situação de cerco, deve recorrer a estratagemas. Numa posição desesperada, deve lutar. Há estradas que não devem ser percorridas e cidades que não devem ser sitiadas“.

b) “Não marche, a não ser que veja alguma vantagem; não use suas tropas, a menos que haja alguma coisa a ser ganha; não lute, a menos que a posição seja crítica. Nenhum dirigente deve colocar tropas em campo apenas para satisfazer seu humor; nenhum general deve travar uma batalha apenas para se vangloriar. A ira pode, no devido tempo, transformar-se em alegria; o aborrecimento pode ser seguido de contentamento. Porém, um reino que tenha sido destruído jamais poderá tornar a existir, nem os mortos podem ser ressuscitados“.

Sinal de derrota

O maior sinal da derrota é quando já não se crê na vitória“. (Montecuccoli)

Lição de Maquiavel

“Um príncipe precisa usar bem a natureza do animal; deve escolher a raposa e o leão, porque o leão não tem defesa contra os laços, nem a raposa contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos.” Conselho de Maquiavel, que arremata: “não é necessário ter todas as qualidades, mas é indispensável parecer tê-las.”

Lição de Napoleão e Sherman

Vejam essas lições de Napoleão: faire som thème em deux façons (fazer as coisas de dois modos). E o general William Sherman, que comandou a campanha de devastação durante a Guerra da Secessão norte-americana, lembrava : “Ponha o inimigo nos cornos de um dilema.” Nunca um político deve trabalhar com uma única hipótese. Um candidato precisa dispor de algumas alternativas.

  • Parte II

Raspando o tacho

– Claudia Sheinbaum, 61 anos, bonita, ativista, dois casamentos, a mexicana tem antepassados na Bulgária, assim como Dilma Rousseff; é doutora em física ambiental e a primeira mulher a comandar o México. Integra a coligação Sigamos Haciendo Historia.

– Seu mentor é Andrés Manuel López Obrador, conhecido como AMLO, que foi candidato à presidência da República pela Alianza por el Bien de Todos (integrada por PRD, PT e Convergência) a partir de janeiro de 2006.

– No ano de 2012, criou o partido MORENA, oficialmente registrado para participar politicamente em 2015 no país. Eleito presidente em 2018 pela coalizão Juntos Faremos História, López Obrador assumiu o cargo em 1º de dezembro de 2018, para um mandato de seis anos.

– Claudia terá condições de fazer reformas profundas no México?

– Sua eleição terá impacto na eleição norte-americana de novembro próximo. A partir do eixo temático da imigração. Joe Biden começa a endurecer entrada de mexicanos na fronteira. Trump lidera nessa área.

– O governo Lula carece de urgente reforma ministerial.

– Quem dá pasto aos currais bolsonaristas são as roças do PT envelhecido.

– Edinho Araújo, prefeito de Araraquara, não quer sair da prefeitura nesse momento, para ajudar a bússola de Lula a funcionar direito.

– Magda Chambriard, presidente da Petrobras, começa a adotar o manual do presidente Luiz Inácio: baixou em 7.6% o valor de querosene de aviação.

– Vá entender os americanos: após ser julgado culpado em 34 acusações, Donald Trump aumenta arrecadação de campanha. Mesmo com ações de seus negócios em queda.

– 28% dos paulistanos consideram-se de direita, 21% se jogam na esfera esquerda. Depende, muito, de como foi formulada a pergunta. Cada área tinha valores, princípios, ideário?

– O planeta político avança alguns passos no caminho da direita.

– PIB brasileiro cresce 0,8% no trimestre. Sinal positivo. Respiro (UFA) do governo Lula 3.

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Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.

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A coluna Porandubas Políticas, integrante do site Migalhas (www.migalhas.com.br), é assinada pelo respeitado jornalista Gaudêncio Torquato, e atualizada semanalmente com as mais exclusivas informações do cenário político nacional.

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