Hoje eu tive um sonho, e foi o mais bonito que eu sonhei em toda minha vida. Sonhei que todo mundo estava exultante com a cena apoteótica da segunda e última independência do Brasil.
Dela não participaram o índio Sepé Tiaraju, Frei Caneca, Luiz Gonzaga das Virgens, Cripriano Barata, Maria Quitéria ou Bárbara Heliodora. Não apareceram nem mesmo Tiradentes, Zumbi dos Palmares, José Bonifácio e sequer D. Pedro, que veio a ser o Primeiro.
O espetáculo foi muito mais real, como se o presente fosse história antes mesmo de virar passado. Foi como um espelho do presente em pleno centro da capital federal, aquela Brasília feita pela integração e que se tornou antro da corrupção.
Em vez de pintores retratando fatos por meio de narrativas extemporâneas, chegavam modernos caminhões com geradores alimentando parabólicas e muitos jornalistas e repórteres de hoje com seus microfones e câmeras e a ansiedade em registrar ao vivo o maior acontecimento de todos os tempos.
Foi o retrato da globalização. Em fila indiana, cercados em corredor polonês, filmados por câmeras japonesas, fotografados pelas lentes alemãs, intimidados por pastores belgas, sob mira de armas israelenses, sobrevoados pelos helicópteros russos, monitorados pelos drones norte-americanos, desfilaram mais de cinco mil, do mais baixo clero ao mais elevado escalão.
Todos seguiam em direção ao destino que lhes cabia, um pavilhão inteiro da Papuda, construído especialmente para abrigar aqueles que roubaram descaradamente nossa primeira independência.
O primeiro pelotão era formado por Luis Inácio, que caminhava de braços dados com a pupila Dilma, que por sua vez puxava pelas mãos seu escudeiro traidor Michel, que seguia de braços dados com Aécio, escoltado por Gilmar.
Em seguida vinham Renan, Delcídio, Cunha, Alves, Gleisi, Cabral, Sarney, Lobão, Collor, Barbalho, Jucá, Pezão, Roseana, Garotinho, Heráclito, Richa, Maluf, Agnello, Pimentel, Haddad, Wagner, Bernardo, Paulinho e Alckmin, entre muitos outros santos listados com alcunha nas planilhas da Odebrecht e citados nas delações dos safadões Wesley e Joesley.
Dos peixes graúdos para os miúdos, também seguiam na procissão prefeitos de cidades grandes, médias e minúsculas, seus assessores e vereadores, deputados conhecidos e anônimos, senadores do mais alto ao mais baixo clero, entre tantas figuras insignificantes, mas igualmente nefastas.
Juízes ladrões, promotores da injustiça nacional, procuradores da riqueza fácil e desembargadores e ministros que sequer mereceram a eucaristia da última unção.
E até mesmo o meu sonho alegórico restringiu personagens para evitar injustiças com todos os ladrões das esperanças, das escolas, dos hospitais, dos medicamentos, da moradia, da segurança e da dignidade daqueles que trabalharam, bancaram as mordomias dos eleitos e se sujeitaram aos mesmos a cada eleição.
Luzes, flashes, satélites, microfones, gravadores, redes nacionais e internacionais em cadeia para registrar a entrada triunfal da horda de salteadores na cadeia real de celas solitárias e sem vantagens de privilégios e foros.
Todos os salteadores das esperanças, os assassinos de sonhos e destruidores do futuro alheio foram contemplados e finalmente recebidos como verdadeiros e dignos meliantes.
Em vez da roda da fortuna, da dancinha dos famosos ou dos jogos de futebol combinados com árbitros comprados, nas TVs apenas o novo e exemplar ritual da punição para a certeza de todos de que o crime não mais vale a pena.
Enquanto isso, novos grupos de pessoas decentes ocupavam creches, escolas primárias e secundárias, as universidades particulares e públicas e os melhores, aqueles que pagaram a conta das mordomias, dos roubos e da corrupção começaram a assumir os postos de comandos em prefeituras, câmaras de todos os níveis.
Foi criado um novo senado cujas únicas exigências são a probidade e os princípios morais mais elementares. Todos voluntários sem salários, motoristas, assessoria milionária, planos de saúde ou qualquer outro benefício que não fosse também de acesso a cidadãos da cidade à favela, do morro ao asfalto e do ar condicionado ao sol quente.
Estava proclamada a nova e última independência, com juízes e promotores trabalhando de oito a dez horas por dia, prefeitos oferecendo suas experiências profissional e de vida a custo zero, vereadores voluntários unidos pelo bem comum, governadores com experiência e princípios, deputados e senadores com muita competência e sem mordomias e o presidente de elevado gabarito disposto a apenas oferecer sua contribuição para a consolidação da nova ordem social e econômica.
Caetano entoava Alegria Alegria de forma sincera, Chico festejava com felicidade os acordes do Vai Passar que já havia passado e todos os artistas e intelectuais deixaram a ideologia macabra nas prateleiras do passado de ontem para no belo presente de hoje comungar com o povo brasileiro a verdadeira e última independência que fazia o asfalto arrepiar, a nossa pátria mãe gentil novamente maternal e todos as esperanças concretizadas pela certeza de que finalmente havíamos conquistado o título de pátria do presente.
Acordei.
(Texto produzido em outubro de 2017)