A primeira parte da coluna será uma tentativa de interpretar a vitória do excêntrico Javier Milei na eleição presidencial da Argentina.
I Parte
Uma ave rara
A vitória do anarco-libertário-liberal Javier Milei na Argentina coroa o sentimento antipolítica que se espraia não apenas no sul do nosso continente, mas outros pedaços do planeta. O eleitor argentino elegeu um parente do outsider da política, um estranho no ninho das aves tradicionais que povoam os Executivos e Legislativos. Uma figura exótica até na maneira de se apresentar, casacos de couro dos roqueiros, cabelos em alvoroço. Que faz, logo no início do discurso de vitória, o maior agradecimento a irmã, Karina, sem a qual nada daquilo que estava ocorrendo não aconteceria.
Autoestima mil
Javier exibe uma autoestima no pico do ranking. Considera-se o primeiro libertário-liberal da História da Humanidade (sic) eleito presidente de um país. Promete colocar a Argentina no primeiro lugar das potências mundiais, posição que já ocupou no passado. Eita! Quando, quando foi isso????????? Não disse e, pelo que se sabe, se a ele foi perguntado, não se repercutiu a resposta.
Reconstrução? Opa, opa!
Repetiu no discurso que vai resgatar o lugar de potência mundial para a Argentina. E, a partir do dia 10 de dezembro, quando tomará posse, vai começar a era da Reconstrução. Opa! Termo que pertence a Lula? Pois sim, Lula também garantiu a reconstrução do país, devastado por Bolsonaro.
Populismo
Interessante. Os populistas acarinham o coração das massas com seus discursos genéricos e de eloquência extravagante. O mundo mirabolante é prometido. Os apelos ao coração das massas assoladas por alta inflação e corrupção acabam gerando urros catárticos. Na Argentina, a inflação beira os 150% por ano. A população abaixo da linha de pobreza é de 40%. Este é o pano de fundo da catarse ante a crença de que o inferno tem seus dias contados para dar lugar ao paraíso.
Teor explosivo
A cartilha de promessas de Javier Milei é uma ladainha de promessas de alto teor explosivo. Promete que vai dolarizar a economia, fechar o Banco Central, privatizar as estatais, cortar ministérios (de 18 para 8), privatizar o mar, nomeando até as baleias como alvo de sua “fúria privatizante”, permitir a venda de órgãos do corpo humano, etc, etc..Sobre privatização: “Na transição que estamos pensando, na questão energética, a YPF e a Enarsa têm um papel. Desde que essas estruturas sejam racionalizadas, elas serão colocadas para criar valor para que possam ser vendidas de uma forma muito benéfica para os argentinos“. Racionalidade? Difícil de acreditar.
Se cumprir o prometido, cairá
Diz essas extravagâncias com a boca de um leão, o rei da selva, com o qual se identifica ao começar seus discursos. No palco da vitória, uma pessoa vestida de leão fazia uma estrambótica ginástica. Pois bem, os efeitos dessas promessas, à luz do bom senso, seriam tão catastróficos, a ponto de sugerir a inferência: não aguentaria. Logo, logo, cairia. A desarrumação da casa, de modo drástico, o despejaria da Casa Rosada.
Karina, a estrategista
Karina Milei, a irmã de 50 anos, é a maior referência de Javier, o eleito. Não fosse ela, não haveria um Javier político, um homem destemido, um candidato vitorioso na eleição argentina. Pois a baixinha de cabelos alourados, discreta e atenta, será a primeiríssima dama do país, mais que a namorada de Javier, Fátima Florez, 40 anos, essa de cabelos naturais, não pintados, humorista de TV, imitadora de Xuxa e Cristina Kirchner, entre outras(os), como revela a imprensa argentina. Karina é superprotetora. Só chega perto de Javier Milei quem tem autorização da estrategista da campanha do irmão. Florez, porém, espera ocupar a vaga de primeira-dama. Casamento à vista?
Pior para Lula
A eleição de Javier Milei resvala na imagem do presidente do Brasil. Primeiro, observa-se que a escolha de um figurante de direita, mais que radical, um anarquista dos velhos tempos, reequilibra a balança ideológica na América do Sul, atenuando a força que a esquerda tem exibido, com a maioria dos mandatários nacionais que agrega. Milei não vai se afastar do Mercosul, mas bagunçará o coreto. Atente-se que o Brasil de Lula acaba de chegar, por rodízio, à presidência do órgão. Os bolsonaristas, ademais, ganham alento para corroborar suas posições e acirrar críticas ao lulopetismo.
Quem irá à posse de Javier?
Lula não deve ir à posse de Milei. Será o embaixador em Buenos Aires o representante do Brasil? O presidente espera que o novo presidente argentino peça desculpas pelo destempero com que brindou Lula: comunista e corrupto. Ou foi ladrão? Seja qual for o adjetivo, foi uma impropriedade, sabendo-se que a expressão raivosa deve, sempre, ser contida, sob pena de gerar constrangimentos. E se Javier não pedir desculpas? Atente-se para a nota de Lula parabenizando a democracia no país de Messi. Mas não citou o nome do eleito.
II Parte
Raspando o tacho
– Milei fez dois discursos. O primeiro, lido, muito genérico. O segundo, para a massa concentrada na avenida Cordoba, de improviso, e também muito genérico, cheio de imagens e chavões.
– Para a massa, a esperança venceu o medo. Os extremos do arco ideológico se cruzam. Lula e Javier.
– Imaginem a cena de pessoas tentando sacar alguns dólares no Caixa Eletrônico e receberem a informação: não há disponibilidade no momento.
– As eleições municipais começam a refazer o tabuleiro dos jogadores.
– Araçuaí, em Minas Gerais, registrou 44,8º C, a maior temperatura já registrada na história do Brasil.
– Pela primeira vez no mundo, registra-se um dia com temperatura média global 2º C acima da era pré-industrial.
– Querem derrubar o presidente da Petrobras, o bem preparado ex-senador pelo RN, Jean-Paul Prates. Um expert na área de combustíveis. Precisam combinar com Lula, seu patrocinador.
– Bolsonaro quer pegar carona no trem de Milei. Vai à posse do eleito e levará uma caravana. Uma farra em Buenos Aires.
– Chuvas no Sul continuam a puxar tragédias. Seca no Norte continua a gerar escassez.
– Recebo informação do professor Miguel Fernandes, do meu saudoso grupo Escolar Coronel Fernandes (onde estudei do 2º ao 4º ano primário), que os alunos dessa querida Escola vão participar do final de campeonato de xadrez em Natal. Viva! Viva! Viva! Meus cumprimentos aos alunos. Meu abraço no professor Miguel. P.S. Saudades do professor Chico Dubas, o diretor em minha infância.
– Sensação deste escriba: o mundo está descendo a montanha. Em declínio.
Fecho a coluna com um pouco de humor
Voxê que sabe
Lembremos a conversa cheia de x do marechal Eurico Gaspar Dutra (1945/1951). O marechal trocava o c pelo x. Ganhou uma marcha carnavalesca no carnaval de 51:
Voxê qué xabê
Voxê qué xabê
Não pixija sabê
Pra que voxê qué xabê?
O ex-secretário de Planejamento e Gestão do Estado da Paraíba, Osman Cartaxo, pinça do arquivo de seus engraçados “causos” uma historinha do marechal. De manhã, bem cedo, o marechal saiu do hotel e começou a passear na parede do açude de Pilões, nos confins da Paraíba. O matuto viu aquela figura fardada e tascou:
– Bom dia, coronel.
O velho marechal respondeu de pronto:
– Não xô coronel. Xô o presidente da República.
O matuto emendou:
– Mas não é coronel porque não quer.
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Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.
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A coluna Porandubas Políticas, integrante do site Migalhas (www.migalhas.com.br), é assinada pelo respeitado jornalista Gaudêncio Torquato, e atualizada semanalmente com as mais exclusivas informações do cenário político nacional.