Dizem ser agosto o mês do cachorro louco e do santo burro. Isso mesmo: temos também um mês para celebrar a burrice de um santo. Antes, precisamos nos desculpar com a ofensa aos inocentes equinos, que em muito se diferem da ignorância humana ao denominá-los como representantes da nossa insensatez depreciativa. Quem deu nome aos burros errou o próprio.
Mas de ignorância e insensatez estamos fartos. A história aqui é outra. Consta que na França existiu uma família de camponeses muito humilde e devota, cuja sensibilidade religiosa era constantemente tolhida pelas circunstâncias de revolução francesa em curso. Isso prejudicou em muito as oportunidades de educação e crescimento intelectual não só destas, mas igualmente de muitas outras famílias cristãs daquela época. Assim nasceu e cresceu o menino João Maria, o “burrinho” dessa história, devoto incondicional de Maria – desde os quatro anos carregou consigo uma pequena imagem da mãe de Jesus, doada por sua mãe, de quem recebeu as primeiras aulas de sua catequese básica. Só foi alfabetizado aos dezoito anos. Convocado ao exército de Napoleão, tornou-se desertor, por circunstâncias que não vem ao caso. Sua grande e inquestionável vocação era mesmo o sacerdócio.
No seminário encontrou dificuldades de aprendizado, em especial com o latim e o francês. Acabou expulso, mas recebido caridosamente pelo confessor e amigo Pe. Malley, que se responsabilizou por ele como vocacionado. Tratava-se de seu confessor e conhecedor único de sua inquestionável vocação sacerdotal. Por isso não o deixou na rua. Tomou para si a formação daquele jovem marcado por tantas e tamanhas dificuldades na sua estrada. Famoso ficou um diálogo deste jovem vocacionado com o então reitor que tentava justificar sua expulsão do seminário: “Os professores não o consideram apto para o sacerdócio. Alguns o acham um “burro” que não sabe teologia. Como poderemos promove-lo ao sacerdócio”?
Não contavam com resposta alguma. Mas Joao Maria surpreendeu a todos: “Sansão matou cem filisteus com a queixada de um burro. O que acha que Deus pode fazer com um burro inteiro?”
Acabou ordenado por deferência da santa espiritualidade de seu confessor e amigo, Pe. Malley, que o apresentou como digno e apto ao sacerdócio. Recebeu como paróquia a mais problemática e insignificante das comunidades da sua diocese, o vilarejo de Ars, com pouco mais de 230 habitantes. Lá encontrou uma igreja em ruínas e uma população de vida ociosa, frequentadora de bares, cabarés e casas de prostituição. Ao adentrar o recinto da igrejinha abandonada, profetizou: “Será pequena para abrigar multidões que aqui virão”.
Acertou em cheio. Durante quarenta anos ali exerceu seu ministério, devotado especialmente à eucaristia e confissão. Neste último sacramento destacou-se de maneira assustadora, chegando a ficar dezoito horas por dia dentro de um confessionário, alimentado apenas por batatas e água. Sua devoção a esse serviço era tão meticulosa que despertou um movimento de romaria de penitentes a Ars, obrigando o governo a construir uma ferrovia até aquele povoado, para servir aos peregrinos. O pequeno povoado despertou-se para a fé. Hoje, quem chega a Ars é recebido por uma gigante estátua do Pe. João Maria Vianna apontando o céu para um menino. Trata-se da primeira cena dessa história. Ao buscar esse seu destino perdeu-se no caminho. Buscou informações com um menino, que lhe indicou o caminho do povoado. Orientado, prometeu: “Você me ensinou o caminho de Ars, eu mostrarei a você o caminho do céu”.
O “burrinho” lá do passado tornou-se conhecido universalmente como modelo de vida e amor à sua vocação, tão arduamente conquistada. É hoje o padroeiro de todo e qualquer sacerdote, em especial modelo dos confessores… Afinal, quem mesmo era o burro dessa história?