Cláudio Pissolito
Bastou aparecer o vírus diferente, do modelo antigo batizado como Novo, devido à uma mutação genética, para que os profetas do apocalipse viessem com suas teses mirabolantes e assombrosas. Afinal, quem vende o futuro oferece um produto de elevada demanda, pois a curiosidade humana ultrapassa os limites da própria imaginação e de qualquer previsão.
Nascido, mutado ou criado na sempre mística China, as teorias conspiratórias aparecem em grande quantidade trazidas pelos especialistas da retórica contundente e convincente. As páginas da internet, com o dobro do acesso costumeiro, servem para disseminar toda a dissecação dos motivos ocultos pelos quais o organismo invisível surgiu ou foi criado.
De praga prevista nas escrituras a um resultado científico perverso da economia globalista, tudo serve para explicar o aparecimento do vírus que assusta, desafia, acua, desestrutura, inibe, incapacita e traz a igualdade de oportunidade de contrai-lo acima de classe social, gênero, cor, raça, credo ou qualquer outra diferença entre os humanos tão semelhantes diante do receio do desconhecido.
É um vírus de ação invertida, que ataca a pirâmide social perversa de cima para baixo. Começa no topo daqueles que frequentam gabinetes e salas reservadas de aeroportos para voos em aeronaves luxuosas, transatlânticos de cruzeiros e iates de longa autonomia, para rapidamente chegar aos serviçais dos aviões, navios, barcos e mansões e, assim, se disseminar de forma democrática e igualitária entre os ocupantes dos casebres amontados nos labirintos íngremes das favelas periféricas.
Ao atingir em primeiro plano os donos do poder social, econômico e político, o vírus faz com que o pânico seja ruidoso o suficiente para acordar aqueles que desejam preservar não a saúde e a vida das populações, mas sim suas reputações e cargos em todos os escalões. Com o discurso de defender a maioria para preservar os muitos governados que dependem dos poucos governantes, todos os esforços são envidados pela salvação da única espécie viva ameaçada.
Para controlar o medo crescente causado pela informação midiática continuada e aterrorizante, os profetas do conhecimento científico universal travestidos de infectologistas, biólogos, matemáticos, economistas, estatísticos e curiosos em geral, passam a monitorar e a desenhar as possibilidades dos movimentos da curva de contaminação que, para esperança de todos os capitalistas, comunistas e socialistas, e plagiando Raul, deve ter princípio, meio e fim.
Já padres, bispos, pastores, videntes e filósofos da existência humana sobre o planeta em pleno definhamento moral e físico, chegam com explicações mais doutrinárias e simplistas, a partir do conhecimento secreto acessível aos ungidos que dominam a verdade que a poucos libertará. Trata-se apenas de uma lição divina, de um processo de mudança da mentalidade, de uma nova era nas relações do homem com o universo, de purificação dos espíritos, de salvação das almas e também do ambiente contaminado pelo progresso humano devastador da vida no planeta surrado e sugado às últimas consequências em suas fontes de equilíbrio natural e ambiental. Não será o fim e nem o meio, apenas mais um recomeço a quem merecer.
Sem profecia, adivinhação, prognóstico ou presságio, apenas plagiando Cortella e utilizando a pouca memória recente de um único ser vivente com pouco mais de meio século de experiencias, mais mal do que bem sucedidas, entre outros mais de oito bilhões de semelhantes que habitam uma estrela minúscula vagando entre bilhões de outras desconhecidas que ocupam um reduzido espaço entre milhares de galáxias, é possível afirmar que tudo será como dantes.
Passado o susto, enterrados os mortos e desinfectadas as vestes, desmontam-se os hospitais custosos, demitem-se os médicos e enfermeiros que oneram os orçamentos, refaz-se as contas com muito mais saldos positivos pela redução do déficit previdenciário e menos gastos na saúde pública, para enfim retomar as viagens intercontinentais, usufruir os cruzeiros marítimos, desenvolver a tecnologia da vida e da morte, construir arenas de espetáculos artísticos e esportivos e continuar a sina de investir na infraestrutura para benefício da humanidade que caminha inexoravelmente para a extinção causada pelo exaurimento de todos os recursos da minúscula e insignificante estrelinha que deixará de brilhar neste universo desconhecido e ilimitado.
Cláudio Pissolito é jornalista e mantém um Blog no jornaldacomarca.com.br