Entre os muitos débitos lançados na conta do eleito empossado, a esmagadora maioria não lhe pertence, ainda que tenha se candidatado a corrigir os desmandos e rombos de passado recente. Para cumprir a promessa, deveria conhece-los de cor e salteado, assim como tinha obrigação de dominar a fórmula secreta para as mudanças sonhadas. Sem competência, não se deve estabelecer.
Depois de 28 anos seguidos atuando como ruidoso deputado temático, respondendo parcialmente pela bancada da bala e nos últimos tempos como titular absoluto no reduto da confusão, teve tempo suficiente para analisar, entender, conhecer e até imaginar soluções para todos os erros cometidos por aqueles a quem defenestrava em seus discursos de frases curtas e de efeitos talhantes. No púlpito presidencial a calenda não combinou.
Assumiu o cargo junto com a legítima herança de 13 milhões de desempregados a que adquiriu nas urnas com a inexequível incumbência de fazer o milagre da multiplicação das vagas no primeiro mês de paciência de seus eleitores e de intolerância dos adversários. Em 15 dias já tinha como débito o sofrimento e a dor das famílias sem renda, dos subempregos e da informalidade das calçadas públicas. Pagou pelo que não fez.
Para começar a cumprir as promessas, titubeou em defender com veemência a reforma da previdência, pelo mesmo motivo que os antecessores a adiaram, abrindo espaço para o cada vez mais voluntarioso e reeleito presidente do legislativo federal. Foi acusado de não dialogar, ou não articular, cujo sinônimo foi muito conhecido, em espécie, nos bons tempos do mensalão. Sem vergonha, aprovaram o bilionário Fundo Partidário em 24 horas sem qualquer conversa, muito menos conferência e bem longe de discussões desnecessárias. Nenhum cientista especialista comparou.
Com bastante demora, bate-bocas, desentendimentos e a velha imprensa surpresa com o cumprimento fiel das maldades avisadas, escalou o cargo ao contrário. Como nos tempos de parlamentar do baixo clero sem vontade de dialogar nos bastidores para alcançar o estrelado da esperança radiofônica e televisiva, passou a frequentar o segundo escalão da gloriosa comunicação nacional. Voltou a seu habitat.
Até que recomeçaram os cíclicos incêndios florestais da Amazônia, quando finalmente reassumiu seu poder de encantar malucos ao responder com aquela fineza de elefante o titubeante e inepto atual líder francês que, pasme-se, sucede a Napoleão e a Mitterrand. Com alguns dribles e bolas na trave, o legítimo sucessor tupiniquim não deixou de usar as caneladas como ferramenta. Sobrou para a mal apanhada primeira dama.
Enquanto Guedes, Moro e até o astronauta caipira brilharam como dignos representantes da nova era da direita corretiva, passou a tropeçar no passado que subiu a rampa agarrado em seus calcanhares. Queiroz, laranjas e até a imortal Marielle se tornaram empecilhos difíceis de superar como novas facadas no abdómen. Os obstáculos se apresentaram no plural: 01,02 e 03.
Como os filhos de César não devem apenas ser honestos, a usual, conhecida e recorrente rachadinha do Rio de Janeiro e da grande maioria dos legislativos estaduais, municipais e até condominiais se transformaram em embaraço maior que o distanciamento do bem aconselhado Donald Trump. Nem mesmo a ameaça da ressuscitação do AI-5 sepultou o tema na maldosa e indesejada imprensa perseguidora. Contornar é quase preciso.
Menos de um ano, quando podia comemorar a menor inflação das últimas décadas, a redução dos desocupados formais com a ocupação dos informais, o acordo com os europeus, os recordes da bolsa paulista capitalista e o fermento da economia em plena atividade, passou a dialogar com o poder paralelo ocupado pelo protetor supremo do velho presidiário namorador. Para camuflar de forma legítima o risco iminente ao rebento quase embaixador, negociou o aceite extraoficial da aberração do sepultamento da prisão em segunda instância que mantinha o país do futuro entre os do presente. Se Lula é livre, culpa do Bolsonaro.