República da caneta azul

A horrorosa canção, se é que só assim se pode conceber, intitulada Caneta Azul, cujo belo cantor e compositor já registrou a autoria e agora colhe os louros em Reais do mau gosto nacional, é mais uma amostra do duvidoso sentido de beleza estética que desanda pelas artes, na literatura e na política.

O máximo descompensado, com sua Bic que certamente mancha o bolso das camisas finas adquiridas em cartões corporativos, pode também reivindicar, senão a autoria já registrada, ao menos a inspiração duvidosa.

Plagiando um dos baluartes do péssimo hábito de escolha dos incautos conterrâneos eleitores, constata-se que estamos chafurdando numa crise de identidade cultural nunca antes vista na história deste país.

Vivemos a sucessão de descalabros absolutamente inéditos que superam as bandanas coloridas, os biquinis de coco, as polainas e as pulseiras de corda de violão. O líder impoluto munido de caneta esferográfica é muito cult comparado aos modões de três frases preconceituosas ou machistas que embalam as festas de rodeio.

A linguagem chula que se torna idioma oficial das novas e velhas gerações é retrato de um tempo de retrocesso galopante que reduz o tudo a quase nada, desde que se possa traduzir essa visão diminuta numa página da rede social transformada na glamorização da pobreza intelectual em coluna social eletrônica.

Cantar, postar e repassar a versão original ou os milhares de plágios da Caneta Azul supera em muito a alça de sutiã de silicone, as pochetes e até os anéis dos dedos dos pés, mas comprova que o indivíduo está antenado, próximo dos acontecimentos e absolutamente atualizado com a moda do momento absolutamente momentâneo.

A decadência da ausência de senso do besteirol que foi identificado e batizado ainda nos anos de 1980, quando as sobras culturais mais bem elaboradas ainda faziam cócegas e filas em teatros e casas de espetáculos, agora ganhou de vez os palcos televisivos, radiofônicos e, é claro, o mundo digital incentivador da máxima crítica e da mínima autocrítica.

O único ofício com certo amparo de algum valor popular da internet, o influenciador digital se curvou e se resumiu ao maranhense Manoel Gomes, que tal ao Tiririca pode e deve se transformar em excelência no Congresso Nacional, como legítimo representante da cultura tupiniquim graças à cessão onerosa de seus alguns segundos a mais no horário político gratuito para um novo legítimo fenômeno eleitoral.

Quem vive, convive, idolatra e clama pela liberdade do líder iletrado, aquele mesmo que cunhou sua própria identidade junto aos pobres em meio à opulência de seus gostos de soberba e superioridade moral como a alma mais honesta do Planeta.

Que depois aceitou a cria do antecessor parida a partir da retórica ufanista de uma gerente que sequer administra palavras, frases ou raciocínios, mas que soube acarinhar consciências compradas a peso de ouro negro dos mares do sudeste.

E que na sequencia ungiu o antagonista do momento histórico que refuta tudo o que se transformou em pecado venial, menos é claro os dos próprios rebentos, merece de fato uma curta temporada ao som ambiente de Caneta Azul, o hit mais brasileiro e tão insipiente quanto os três últimos mandatários máximos da nossa pátria mãe sempre tão distraída.

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Cláudio Pissolito

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